Sob interferência de Bacellar, governo muda lei para acolher novo chefe de Polícia Civil
A Assembleia Legislativa do Rio aprovou nesta quarta-feira o projeto de lei que altera a Lei Orgânica da Polícia Civil. A mudança abre caminho para que o delegado Marcus Almim seja empossado como secretário da instituição. Agora, nos bastidores, já se fala que o trator político deve passar pela Polícia Militar e pela Secretaria de Administração Penitenciária.
Em meio a uma onda de confrontos na cidade e a operações de enfrentamento à criminalidade que envolvem até mesmo o apoio do governo federal, o secretário de Polícia Civil será substituído por questões alheias à segurança pública. Após a pressão de políticos, o governador Cláudio Castro (PL) vai nomear o delegado Marcus Amim para o comando da instituição porque o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (PL), estava insatisfeito com José Renato Torres — que ficou apenas três semanas no cargo. Ao abrir a votação, Bacellar negou ter interferido na escolha de Marcus Amim, mas elogiou o provável novo secretário.
—- Eu não entendo nada de Polícia Civil, muito menos de Polícia Militar do Estado do Rio, mas entendo de gente, entendo do povo. Dessa vez, eu considero que ele fez uma das escolhas mais acertadas. Ele me comunicou que faria uma escolha e dei a ele um conselho, sim: ‘Seja quem for o seu escolhido agora e futuramente, quando o senhor for mexer na polícia, escolha alguém da categoria, pelo amor de Deus. Escolha alguém que respira a polícia no dia a dia.’ Eu não tenho nada contra quem se aposentou, longe de mim, mas polícia é uma coisa que se vive diariamente. Avisei a ele lá atrás que escolher uma pessoa que está fora há 17 anos é igual para nós, parlamentares; se ficarmos 17 anos com a chuteira pendurada —- relatou Bacellar.
Briga entre poderes
Por trás da demissão de Torres, está uma queda de braço entre Bacellar e o policial civil aposentado Fernando Cezar Hakme, hoje assessor da Casa Civil e braço-direito de Castro. Foi de Fernando Cezar a indicação de Torres para o mais alto cargo na Polícia Civil, enquanto o presidente da Alerj queria a nomeação do delegado Antenor Lopes — a quem ontem chamou de amigo no plenário da Casa. Nessa primeira batalha, venceu o assessor, mas com um acordo para Antenor ocupar a Subsecretaria Operacional, o que não aconteceu.
A maré virou para a Alerj quando, na semana passada, Castro enviou projetos de leis que permitem o uso da verba vinculada a fundos para o pagamento de outras despesas do Executivo, como salários. Trata-se de uma soma de R$ 4,5 bilhões, que poderia aliviar o apertado caixa. Nos corredores da Alerj, todos comentam que foi a moeda de troca perfeita. Castro tirou Torres da Polícia Civil, e os deputados já devem votar hoje os projetos que mudam nos fundos.
Mudança na legislação para acolher aliado
A mudança no texto, proposta pelo governador Cláudio Castro, recebeu 20 emendas dos parlamentares. O projeto de lei, se aprovado, pode permitir que a corporação seja comandada por delegados que estejam há 15 anos na instituição, independentemente do cargo. Atualmente, a legislação prevê que a Polícia Civil seja comandada somente por quem ocupa o cargo de delegado na corporação há 15 anos.
Na tarde de quarta-feira, o delegado José Renato Torres pediu exoneração do cargo de secretário de Polícia Civil. A decisão foi tomada um dia após o governador Cláudio Castro (PL) enviar à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) o projeto de lei complementar que muda a lei orgânica da instituição. A movimentação abre possibilidade para que Castro nomeie o delegado Marcus Amim para o lugar de Torres. Pessoas próximas ao ex-secretário afirmaram que Torres não foi comunicado sobre a chance de perder o cargo e soube das mudanças na secretaria por notícias da imprensa.
O sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro (Sindelpol) emitiu uma nota criticando a possível mudança na Lei Orgânica da Polícia Civil proposta pelo governador Cláudio Castro.
” Infelizmente, a prática corriqueira de interferências políticas diretas na escolha do chefe da Polícia Civil pelos mais diversos agentes externos, se tornou tão banal e escancarada no Estado do Rio de Janeiro que não causa mais sequer surpresa ou perplexidade a sociedade carioca”, diz trecho da nota.
O Sindepol ainda critica que o projeto foi enviado “para tão somente atender um capricho pessoal, em claro desvio de finalidade, além de violar os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade”. O sindicato ainda afirma no texto que “quando um delegado é alçado ao mais alto posto da instituição por critério meramente político, a ideia que se passa para toda a Instituição é que para ascender profissionalmente, não é necessário manter-se atualizado juridicamente, ter uma carreira ilibada (…) basta apenas se vincular aos detentores momentâneos do poder e se submeter aos seus caprichos e interesses para assim alcançar o mais alto posto hierárquico da Instituição”.
A lei orgânica, uma reivindicação bicentenária da instituição, foi sancionada pelo Executivo fluminense em julho do ano passado, mas ainda não foi colocada em prática. O texto estabelece uma série de direitos e obrigações dos servidores do órgão e define diretrizes a serem seguidas pela Secretaria de Polícia Civil. Em mensagem enviada à Alerj nesta terça-feira, Castro aponta a justificativa para a alteração:
“A presente medida também tenciona alinhar um programa eficiente de promoção, onde o policial é incentivado a trabalhar e se qualificar cada vez mais, o que valoriza e prestigia a valorosa carreira”, escreveu.
A aprovação da lei complementar abre o caminho para a nomeação do delegado Marcus Amim ao cargo de secretário de Polícia Civil. A cadeira foi ocupada pelo também delegado José Renato Torres por menos de um mês. Torres ficou marcado por dizer, no último dia 9, durante a segunda etapa da Operação Maré, que uso de celulares em presídios pode auxiliar investigações. No entanto, o pano de fundo da troca é político. Sua nomeação, em setembro, já tinha sido contra a vontade de deputados da Alerj, como o presidente Rodrigo Bacellar (PL), que havia indicado outro nome para o cargo. O seu substituto, no entanto, tem o apoio dos parlamentares, sobretudo de Marcio Canella (União Brasil).
Nos bastidores, Amim, que é delegado há 10 anos, já era apontado como uma das opções ao cargo recém-aberto. Além dele, nomes como Antenor Lopes e Pedro Medina também foram levantados por servidores.
Do Detran para a chefia de Polícia Civil
Amim está na instituição desde 2002. Para sua nomeação ser efetivada, é necessário que a Alerj aprove a mudança no estatuto da corporação, que prevê “delegados de polícia ocupantes de cargo efetivo da classe mais elevada da carreira, com mais de 15 anos no cargo”, o que deve ocorrer ainda esta semana.
Como delegado titular, Amim comandou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), a Delegacia Especializada em Armas, Munições e Explosivos (Desarme) e a 27ª DP (Vicente Carvalho). Desde junho ele é presidente do Detran.
No mês passado, a Câmara dos Deputados aprovou um texto que cria uma Lei Geral da Polícia Civil, que define princípios e diretrizes a serem seguidos pelos estados ao elaborar as respectivas leis orgânicas. O texto, porém, ainda não tem validade. O projeto ainda precisa ser votado no Senado e ser sancionado pelo presidente Lula.
Próximo passo: interferência política na PM
Com a brecha criada com a saída de Torres, parlamentares miram interferir nas outras áreas da Segurança Pública. A secretária de Administração Penitenciária, Maria Rosa Lo Duca Nebel, há algumas semanas é alvo de críticas públicas por deputados, que sua saída.
Além dela, o coronel Luiz Henrique Pires, secretário de Polícia Militar, também balança no cargo. Interlocutores do governo dizem que já há pelo menos dois nomes cotados para assumir seu lugar: o diretor da Coordenadoria Militar da Alerj, coronel Flávio Mello, e o coronel Marcelo Malheiros, ex-comandante do 5º Comando de Policiamento de Área (Sul Fluminense e da Costa Verde).
*Com informações d’O Globo e Extra