Municípios da região com os piores IDHs são os que mais têm igreja por habitante; veja cada cidade
O Norte Fluminense tem mais estabelecimentos religiosos do que a soma daqueles de saúde e de ensino somados, aponta um levantamento exclusivo do Portal Goytacazes. Esses espaços são 3.939 em todas as oito cidades da região. Já os de ensino e saúde juntos correspondem a 2.401 – respectivamente, 1.252 e 1.149. Os dados são das coordenadas geográficas do Censo Demográfico 2022 divulgadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (2). Proporcionalmente, as cidades com mais templos religiosos considerando o número de habitantes são Cardoso Moreira e São Francisco de Itabapoana – municípios com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da região e do Estado do Rio.
As informações indicam quais são os usos de cada endereço visitado pelos recenseadores em 2022. Segundo os técnicos do IBGE, servem para responder a questionamentos sobre onde está a população brasileira, agora de forma mais precisa, e para embasar políticas públicas. O levantamento não detalha os possíveis motivos para determinadas cidades terem maior ou menor concentração desses endereços.
Dados de cada cidade
Em Cardoso Moreira vivem 12 mil pessoas que contam com 22 estabelecimentos de educação, 26 de saúde e 103 templos religiosos – mais que o dobro de saúde e educação somados. São 8,58 igrejas para cada 1 mil habitantes. O município tem o 89º IDH entre as 92 cidades do estado.
Em São Francisco de Itabapoana, com 45 mil habitantes, são 86 de educação, 62 de saúde e 366 igrejas – mais o que o dobro, num total de 8,13 templos para cada 1 mil habitantes. Novamente, o IDH também deixa a desejar: é o penúltimo do estado do Rio.
Em Campos, onde vivem 485 mil pessoas, há 643 estabelecimentos de educação, 489 de saúde e 1.727 templos religiosos. São 3,56 igrejas para cada 1 mil habitantes.
Em Macaé, com 246 habitantes, são 264 de educação, 364 de saúde e 1.036 igrejas. São 4,21 templos para cada 1 mil habitantes.
Em São João da Barra, os 36 mil moraadores contam com 62 estabelecimentos de educação, 66 de saúde e 139 igrejas. São 3,86 templos para cada 1 mil habitantes.
Em Quissamã, com 22 mil pessoas, são 29 de educação, 26 de saúde e 126 igrejas. São 5,73 templos para cada 1 mil habitantes.
Em São Fidélis, com 38 mil habitantes, são 83 de educação, 54 de saúde e 231 igrejas. São 6,08 templos para cada 1 mil habitantes.
Carapebus tem 13 mil pessoas, 24 escolas, 11 unidades de saúde e 88 igrejas. São 6,77 igrejas para cada 1 mil habitantes.
E Conceição de Macabu tem 21 mil habitantes, 39 estabelecimentos de educação, 51 de saúde e 124 igrejas. São 5,86 templos para cada 1 mil moradores.
Igrejas evangélicas sem burocracia
Os dados ajudam a demonstrar, na prática, tendências observadas sobre o Brasil, considerado um país pouco secularizado em relação a outros, como na Europa ocidental. Ainda, o país possui um mercado de fieis muito competitivo, com predominância do segmento cristão, segundo Victor Araújo, professor de política comparada na Universidade de Reading, no Reino Unido.
A disputa, diz ele, está ligada ao crescimento, na virada dos anos 1990, do crescimento acelerado de grupos evangélicos.
“Esta competição está por trás desse número de templos. Não são igrejas católicas, mas, em grande medida, igrejas evangélicas”, diz ele, que também é pesquisador associado do Centro de Estudos da Metrópole da USP.
Ele sustenta o argumento com um estudo recente em que analisou a evolução do número de igrejas evangélicas no país a partir do cadastro de pessoas jurídicas, e ressalta que a lógica de abertura de templos, combinada a pouca burocracia, garante mais agilidade.
“Abre-se a igreja sem ter membro e começa a competir, evangelizar. Vai a presídio, evangeliza no bairro. Se a Arquidiocese de São Paulo quisesse abrir uma paróquia nova em Araraquara, por exemplo, precisaria mandar um documento ao Vaticano e esperar aprovação, depois votar na confederação nacional de arquidioceses, demora anos.”
A comparação numérica, no entanto, não permite análises conclusivas sobre educação ou saúde.
“Não acho que a comparação indique qualquer coisa ou que seja justa. Um país pode ter mais igreja que escola e continuar a ter boa provisão do serviço de educação. O número de faculdades no Brasil cresceu absurdamente nas últimas décadas, mas nem por isso a qualidade da educação melhorou.”
Esse crescimento no segmento evangélico, segundo Araújo, pode atingir um limite, o que indica que mais igrejas podem competir pelos mesmos fieis. Esse cenário, somado aos grupos católicos e de outras confissões, como as religiões de matrizes africanas, indica um país mais plural.
*Com informações da Folha de São Paulo