Economia

Reforma tributária vai impactar a cobrança de condomínio? Veja o que dizem especialistas

A reforma tributária aprovada pelo Senado nesta quarta-feira (8) tem preocupado o setor de serviços. Em uma análise mais minuciosa de especialistas, o receio é que segmentos específicos sejam mais impactados — caso dos condomínios residenciais.

O texto ainda irá voltar para análise na Câmara dos Deputados, uma vez que sofreu alterações no Senado.

Sobre o tema, especialistas consultados disseram que:

A reforma pode impactar tributos sobre serviços e, assim, aumentar preços de condomínios;
A estimativa é que a taxa condominial possa subir entre 2,10% e 6,50%;
Encarecimento pode ser geral no setor, atingindo diversos serviços;
Por outro lado, especialista afirma que a legislação pode até diminuir os custos de serviços, e que um eventual aumento ao consumidor seria compensado pela queda na tributação de outros itens (entenda mais abaixo).
Procurado para comentar o assunto, o Ministério da Fazenda não retornou. O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da proposta no Senado, informou por meio de sua assessoria que não iria se pronunciar sobre o tema.

Por que a cobrança de condomínio poderia aumentar?
Para a Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), a reforma deve aumentar os impostos sobre empresas de segurança, vigilância e limpeza, o que pode elevar os custos e, consequentemente, os valores cobrados nos condomínios.

Jorge Segeti, diretor técnico da Cebrasse, afirma que, com o texto aprovado no Senado, a alta nos preços deve ser sentida especialmente nas atividades que prestam serviços ao consumidor final, o que inclui também os salões de beleza, táxis e aplicativos de transporte.

Isso porque as atividades do setor são baseadas em mão de obra — ou seja, na força de trabalho dos funcionários —, o que diminui o acesso dessas empresas ao crédito tributário, que é uma espécie de devolução ou desconto de impostos pagos ao longo de um processo produtivo (entenda mais abaixo).

Operadores de serviços acreditam que, com a introdução dos dois IVAs (Impostos sobre Valor Agregado) propostos na reforma, a carga tributária irá onerar diversas atividades do setor, atingindo cada segmento de maneira diferente.

O texto prevê um período de transição de sete anos (entre 2026 e 2032) para unificar os tributos. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. Entenda.

A principal demanda do setor de serviços desde o início das discussões sobre a reforma tributária é a desoneração da folha de pagamentos — ponto não contemplado nessa etapa de discussões.

Segundo Jorge Segeti, da Cebrasse, apesar de o setor não ser contra a implementação dos IVAs, a diminuição dos tributos sobre a folha seria necessária para evitar um aumento de preços ao consumidor.

“A folha não foi alterada, e o salário continua sendo tributado a 40%. Para um funcionário que recebe R$ 1 mil, por exemplo, você gasta R$ 400 em tributos. E isso não inclui 13º salário ou férias. É só de imposto que vai para a previdência. Esse ponto não foi mexido. Continua pesado”, diz.

E isso se aplica aos serviços contratados pelos condomínios. Segeti afirma que o aumento da cobrança ao consumidor final — ou seja, aos moradores — tende a ocorrer caso não haja uma compensação de impostos sobre os salários.

A lógica para esse movimento segue dois principais conjuntos de fatores:

O primeiro causador da alta de gastos — e, consequentemente, de valores cobrados — seria a mudança relacionada à criação do IVA. Atualmente, uma empresa de segurança ou limpeza paga, em média, 3,65% de PIS/Cofins e 5% de ISS (Imposto Sobre Serviços), chegando a uma carga tributária máxima em torno de 10%. Segeti explica que, com o IVA a 25%, a elevação média de imposto — neste exemplo, em 15 pontos percentuais — deve ser repassada no preço final do serviço. Segeti conclui que, quando a empresa de segurança for vender um serviço, vai ficar mais caro para o condomínio. E exemplifica:

Se o custo de um segurança for, hoje, de R$ 3 mil, a empresa deve cobrar de R$ 3,3 mil, com os 10% de imposto. No caso de um IVA a 25%, serão os R$ 3 mil acrescidos de 25%, chegando a R$ 3,7 mil.
“Dentro dos R$ 3 mil iniciais, 40% são impostos sobre o salário. Por isso, o setor pede a desoneração da folha, para que [a cobrança] seja só sobre o valor agregado”, diz.

Vale lembrar que o estudo realizado por Segeti foi feito com base em uma alíquota de 25% para os IVAs, conforme projeções iniciais da reforma.

Com a inclusão de setores da economia em regime de tributação especial (ou seja, reduzida), a estimativa após aprovação no Senado é que a alíquota geral fique ainda maior, na casa de 27,5% (veja mais detalhes abaixo).

Baixo crédito tributário
Empresas que têm na mão de obra seu principal custo geram um crédito tributário muito menor do que companhias com escalas produtivas mais longas. O crédito tributário é um mecanismo no qual cada etapa da cadeia de produção desconta, ao pagar seu imposto, os tributos que já foram pagos nas etapas anteriores. Por isso, serviços de limpeza e segurança, por exemplo, recebem créditos mais baixos. São atividades que gastam muito mais com salários de funcionários do que com insumos produzidos ao longo de uma cadeia produtiva.

Nesse sentido, o setor de serviços sai atrás por não ser beneficiado pela lógica do crédito tributário — e não ter contrapartida sobre sua principal fonte de gastos: a folha de pagamentos. De acordo com o levantamento de Segeti, esse conjunto de fatores pode colaborar com um aumento da taxa de condomínio de 2,10% a 6,50%, a depender do tamanho, localização e perfil do local.

Para o resultado, ele parte da premissa de que entre 30% e 50% da taxa são referentes a custos com serviços de segurança e limpeza.

Gabriel Quintanilha, professor convidado da FGV Direito Rio, também acredita que prestadores de serviços devem sofrer com um aumento de carga tributária.

“O governo alega que será possível a geração de créditos a partir dos insumos. Mas para o setor de serviços, que tem na mão de obra seu principal custo, não há esse crédito. O que deve ocorrer é uma alta muito elevada dos serviços de modo geral”, diz.

Estudo publicado pela XP Investimentos em meio às discussões da reforma tributária na Câmara dos Deputados aponta que o setor de serviços pode ter um “impacto misto” ou até sofrer mais do que outros — na contramão dos setores industrial e exportador, por exemplo, que tendem a ser mais beneficiados.

“[Com a aprovação do texto atual no Senado] o setor de serviços sofreria mais — embora isso fosse compensado pelo crescimento econômico no longo prazo”, diz a publicação.

Para a consultora internacional Melina Rocha, especialista em IVA, a reforma terá o efeito contrário: irá reduzir os custos das empresas de segurança e limpeza por conta da recuperação de resíduo tributário (ou seja, restituição de custos) sobre itens como materiais de limpeza, energia elétrica e uniformes.

Ainda segundo a consultora, com a reforma, o condomínio que seja contribuinte do IVA passará a ter crédito integral do tributo incidente na prestação de serviços.

“Assim, o custo destes serviços para o condomínio vai, na realidade, diminuir, porque os tributos incidentes poderão ser totalmente creditados”, explica.
Melina também destaca que a reforma tributária “afeta um pouco os preços dos bens e serviços adquiridos pelas famílias, mas mantém, na média, a tributação atual”.

Ela acredita que um eventual aumento no preço dos condomínios será compensado pela menor tributação de outros itens consumidos pelas famílias, como energia elétrica e conta de celular, por exemplo.

“Na média, a tributação atual será mantida. Como a reforma tributária tem como objetivo manter a carga tributária atual, qualquer redução na tributação de um item de consumo tende a ser compensada pelo aumento da tributação dos demais itens de consumo, mantendo a tributação total das famílias brasileiras a mesma”, diz. “Ou seja, no agregado, considerando toda a cesta de consumo, o custo tributário para as famílias brasileiras continuará sendo o mesmo.”

“Tributar menos serviços prestados para condomínios não reduziria o custo total dos tributos pagos pelas famílias. Apenas deslocaria esse custo para outros itens”, conclui.

Exceções podem elevar alíquota
A aplicação de exceções — ou seja, impostos reduzidos a setores da economia — tende a afetar a alíquota geral sobre o consumo, estimada inicialmente em 25%. O secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, defende o mínimo de exceções possível.

A explicação é que, para manter a mesma carga tributária, concedendo tratamento favorecido a alguns setores, será necessário ampliar a alíquota geral e, assim, cobrar mais de todas as atividades.

“Quanto mais exceção tiver, quanto mais tratamentos favorecidos, maior tem que ser alíquota para os outros setores para manter a carga. É uma decisão política do Congresso saber se justifica ter tratamento favorecido aqui ou não”, disse Appy, em debate no Congresso Nacional.

Segundo Haddad, as exceções incluídas no Senado representam um aumento de 0,5 ponto percentual em relação ao texto que passou na Câmara dos Deputados — que indicava que o futuro IVA poderia chegar a até 27%, segundo a área técnica do Ministério da Fazenda.

Questionado pela reportagem do g1, o Ministério da Fazenda apenas reafirmou a fala do ministro e reforçou que a tributação da folha será abordada “em um segundo momento” depois da aprovação do texto já em discussão no Congresso Nacional.

Fonte: g1