Pacotes de ingressos para a temporada tentam decolar com modelo à brasileira
Em um dos mais clássicos livros sobre futebol já escritos, “Febre de Bola”, o inglês Nick Hornby narra como sua vida foi dominada pela paixão pelo Arsenal. Tudo começa a ficar mais sério em 1968, quando, junto com o pai, ele compra o season ticket do time inglês, passando a frequentar a arquibancada em todos os jogos em casa, com o carnê de ingressos garantidos de uma só vez. Tradição do futebol britânico e presente em muitos outros estádios europeus, a ideia de adquirir, numa tacada, todas as entradas para as partidas do seu time na temporada ainda dá os primeiros passos no Brasil. Em uma época em que se observa aumento geral do público nos estádios, os clubes adotam estratégias diferentes e buscam entender como tratar — e como lucrar com — seus torcedores mais assíduos.
E precisa ser fã mesmo: comprar ingressos para a temporada significa comprometer uma boa quantia de dinheiro em 12 meses. À vista ou parcelado, é como adquirir todas as entradas de uma vez, independentemente da fase do time, de compromissos pessoais e de outras variáveis. Em troca, o torcedor garante acesso a todas as partidas sem precisar se preocupar com flutuação de preço em jogos mais decisivos ou a possibilidade de bilheteria esgotada.
IDEIA DE PARCELAMENTO
Dos 15 clubes de maior torcida do Brasil analisados pelo GLOBO, apenas dois seguem o modelo europeu, que consiste em, além do programa de sócio-torcedor, vender um pacote de entradas para quem quiser garantir a presença em todos os jogos como mandante. Há três anos, Flamengo e Atlético-MG abrem, em dezembro ou janeiro, uma janela para que fãs comprem o pacote para a temporada.
No time mineiro, os preços variam entre R$ 4 mil e R$ 5 mil (a depender do plano do filiado, que também paga a mensalidade) e envolvem apenas um setor da Arena MRV. No Fla, ver o time em todos os jogos no Maracanã custa entre R$ 1,5 mil e R$ 18,2 mil, dependendo do plano que o torcedor já paga e do setor que deseja ocupar no estádio. Apesar de salgados, eles fazem sucesso: o Galo chegou a paralisar o programa em 2023 devido a dúvidas em relação à inauguração do novo estádio, mas, após pedidos e protestos, voltou a comercializá-lo nesta temporada.
A cultura do parcelamento das compras no Brasil é um dos fatores que levam a maioria dos times — 11 dos 15 pesquisados — a adotar um modelo mais nacional. Em vez de comercializarem o pacote da temporada, os clubes criam, nos programas de ST, planos mais caros para os mais fanáticos, garantindo a eles a compra e os 100% de desconto nos jogos como mandante. Apesar de exigirem, no ato da filiação, os 12 meses de fidelidade, cria-se a impressão de que se está pagando uma mensalidade e não um valor cheio dividido em 12 vezes.
Neste cenário, os preços variam bastante. O mais barato é o do Fortaleza: R$ 720 por ano (ou R$ 60 por mês). Tomando como base o número de jogos no Castelão no ano passado, seriam R$ 18 por partida. Junto com o Bahia, os tricolores nordestinos são os únicos a oferecerem planos populares com desconto total nos ingressos aos torcedores mais fanáticos, mas sem tanta condição financeira.
— A maior parte dos torcedores brasileiros tem renda baixa. É essencial que o clube se preocupe com este público e forneça um serviço que seja compatível com a sua condição financeira. O Bahia é um grande case de sucesso. Há uma visão clara de beneficiar o torcedor popular do clube — diz Henrique Borges, CEO da Somos Young, empresa que realiza o atendimento a sócios-torcedores de clubes como Bahia, Cruzeiro e Vasco.
A diferença entre o preço do plano com 100% de desconto do Fortaleza para o do Vasco é de 1.180%. São necessários R$ 8.496, ou 12x de R$ 708, para se filiar à categoria Dinamite Eterno, única que garante entrada e prioridade de compra. É quase um desincentivo para o torcedor, já que o plano abaixo, Gigante 5 estrelas, custa R$ 500 a menos por mês e, apesar de não garantir a entrada do torcedor no estádio, dá 75% de desconto no ingresso. Ainda assim, o vascaíno que adere fica sujeito ao esgotamento da bilheteria e à variação de preço em partidas decisivas.
O Vasco não respondeu a questionamentos da reportagem, mas especialistas apontam o tamanho de São Januário, cuja capacidade é de pouco mais de 20 mil pessoas, como um dificultador de uma política mais elaborada para o torcedor mais assíduo. Com menos assentos, o custo de se vender um lugar pelo ano todo pode não compensar tanto para o cruz-maltino, que costuma jogar com casa cheia.
EXEMPLO ALVIVERDE
Entre os clubes que cobram preços mais razoáveis, destaca-se o Palmeiras. Nos últimos anos, nenhum estádio recebeu tantos jogos decisivos e de alta demanda quanto o Allianz Parque. O sucesso esportivo faz o preço do ingresso avulso subir, o que atrai ainda mais o alviverde com condições de se filiar aos planos mais caros.
O Palmeiras tem categorias a preços similares aos praticados pelo Vasco, mas cobra mais barato de quem garante frequência no Allianz Parque. No Ouro, por exemplo, o custo é de R$ 144,90 mensais, o que dá 100% de desconto no setor Norte em todos as partidas, mas apenas a prioridade 3 na compra de ingressos. Em jogos decisivos, como o diante do Fluminense que encaminhou o título brasileiro de 2023, isso não foi suficiente, e as entradas acabaram antes de esses torcedores terem direito à compra.
No entanto, o programa de ST garante um upgrade de prioridade (da terceira para a primeira) aos filiados Ouro que tenham no mínimo 80% de frequência na temporada. Isso ajuda o clube a ver o estádio cheio em jogos de menor apelo e garante ao torcedor a entrada nos de maior. Em média, cada ingresso para o palmeirense deste plano, que tem a frequência mínima exigida, sairá por R$ 47. Seja contra a Inter de Limeira, pelo Paulistão, ou em uma eventual semifinal de Libertadores.
— Isso permite não só a previsibilidade de ocupação da Arena, bem como a geração de receita recorrente. Outro fator importante é a identificação do tipo de persona e do comportamento de utilização. Esse processo conjunto permite atuação mais assertiva da equipe de Marketing na geração de conteúdos que atraiam novos sócios com essas características, ampliando bases saudáveis e fidelização de sócios-torcedores — analisa Reginaldo Diniz, CEO da Agência End to End, gestora do programa do Palmeiras.
SERÁ QUE VALE?
O alviverde é um entre apenas cinco clubes nos quais comprar o pacote compensa também financeiramente. O preço por jogo, em 2023, para quem adquiriu ou se afiliou a esses planos ficou menor do que o ticket médio praticado pelo clube no Campeonato Brasileiro. Nos outros oito times, valeria mais a pena comprar todos os ingressos do ano de forma avulsa. Mas claro, nesta modalidade mais tradicional, o torcedor, não filiado, pode ficar de fora se os ingressos se esgotarem.
Internacional e Cruzeiro optam por não comercializar pacotes de ingressos, nem planos com bilheteria garantida. O colorado tem um dos programas de sócio mais baratos e mais bem sucedidos, mas que garante, no máximo, 50% de desconto em cada jogo. No Cruzeiro, a tentativa de implementar um pacote de ingressos fracassou no ano passado, e, após fechar 2022 com 72 mil afiliados, o time mineiro viu o número cair para menos de 50 mil em 2024.
— A gente está planejando um novo programa para corrigir defeitos do atual e atender cada vez mais e melhor ao torcedor — disse Ronaldo, dono da SAF celeste, sem especificar se as mudanças irão pelo caminho que fez o jovem Hornby se apaixonar pelo Arsenal.
Fonte: O Globo