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O papel das instituições brasileiras na escravidão (e em outras mazelas) e a necessidade de reparação histórica

A história do Brasil – e naturalmente da região – é marcada por séculos de escravidão, um capítulo sombrio que deixou cicatrizes profundas na sociedade. Durante esse período, diversas instituições desempenharam papéis ativos no apoio e financiamento desse sistema desumano – como vimos nesta semana em que o MPF entrou com uma ação contra o Banco do Brasil. Mas este processo de reparação histórica, se levada a cabo – como não aconteceu diante da ditadura militar brasileira, por sinal -, deveria atingir também outras instituições, da Igreja Católica aos descendentes da Família Real, passando pelas usinas de cana-de-açúcar da região – em alguns casos, focos até hoje de pessoas em situação análoga à escravidão.

A ação empreendida pelo MPF se baseia em provas obtidas por uma comissão de historiadores, mostrando que a mais antiga instituição financeira do país teve participação significativa na economia escravocrata brasileira. Para além dos empréstimos aos fazendeiros de café, cuja produção era baseada no trabalho escravo, alguns de seus principais acionistas eram traficantes de pessoas negras – como José Bernardino de Sá, cujas vítimas até hoje aparecem na Praia de Manguinhos, em São Francisco de Itabapoana. Portanto, é justo que o Banco do Brasil contribua para reparar os danos causados pela escravidão, direcionando parte de seus recursos para iniciativas de combate ao racismo estrutural e apoio aos descendentes de escravizados.

Mas, se a Justiça fizer justiça, ficará difícil justificar o alívio para outras instituições centenárias. Como a Igreja Católica, por exemplo: no Solar do Colégio, onde hoje funciona o Arquivo Público Municipal de Campos, jesuítas mantinham cerca de 1.400 escravos, alguns com o “direito” de lá manter suas famílias, num suposto tratamento benevolente que, na verdade, era tática de pacificação. Outro triste exemplo se deu no prédio da Justiça Federal de Campos, na Praça São Salvador, onde vivia o cônego João Carlos Monteiro, maior liderança religiosa da época e estuprador de Justina do Espírito Santo, uma jovem de 15 anos traficada de Gana, e que daria a luz ao abolicionista José do Patrocínio. Se a reparação histórica chegar ao presbitério, não faltariam recursos para financiar programas educacionais e sociais voltados para a população negra.

Assim como com os descendentes da Família Real Brasileira, até hoje agraciados por uma “Taxa do Príncipe”, em Petrópolis, que só em 2020 rendeu R$ 5 milhões. Redirecionar o laudêmio para financiar a reparação histórica poderia exigir mais do que ações jurídicas, mas mudanças na Constituição – e aí a seara política nos exigiria esperança ainda maior. Já entre os usineiros, muitos falidos, talvez pouco haja de se extrair além de um reconhecimento público, não só pela escravidão, mas também pela ditadura, como no caso da Usina Cambahyba, cujos fornos foram utilizados para incinerar pessoas contrárias ao regime.

Fato é que ação do MPF abre uma porta de esperança da conciliação brasileira com seu passado, e que direcionar recursos para ações de combate ao racismo e apoio aos descendentes de escravizados teria um papel significativo na construção de um Brasil mais justo e igualitário. Poderia haver a criação de um fundo específico para este fim, alimentado pelas contribuições das instituições mencionadas, dentre outras. Esse fundo pode ser utilizado para financiar programas de educação, saúde, habitação e emprego direcionados às comunidades afro-brasileiras. Além disso, a reparação histórica deve ser acompanhada por um esforço educacional nacional que promova o entendimento da história da escravidão e sua influência duradoura na sociedade brasileira.

Exemplos de ações como essas podem ser encontrados entre colonizadores e colonizados. Na África do Sul, a Comissão da Verdade e Reconciliação desempenhou um papel fundamental na cura das feridas do apartheid; nos Estados Unidos, uma série de universidades, como Harvard e Brown University, também reconheceram o papel que proprietários de escravos tiveram em sua fundação e crescimento, e a partir daí financiaram pesquisas acadêmicas de longo prazo e projetos voltados à comunidade negra; e na Inglaterra, o Bank of England – proprietário de centenas de escravizados – reconheceu seu papel, realizou pesquisas e encontrou descendentes de escravizados, iniciando um processo de reparação financeira às famílias.

Portanto, a reparação histórica das instituições que apoiaram e financiaram a escravidão no Brasil é essencial para reconhecer o passado e construir um futuro mais inclusivo e igualitário. Mais do que somente penalizar, as verbas indenizatórias devem ser direcionadas para ações de reparação e combate ao racismo, para que o país dê passos significativos em direção à justiça e à reconciliação com sua própria história, tão necessária ao processo educacional e à evolução da sociedade.