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Livros escritos por Inteligência Artificial começam a surgir na Amazon Brasileira

Dezenas de livros físicos ou digitais criados em português com a ajuda de ferramentas de inteligência artificial generativa surgiram nas últimas semanas na Amazon brasileira, evidenciando o início de um período de co-autoria de modelos de IA e receios de ‘spam literário’ na varejista digital. A informação é do Portal Núcleo Jornalismo.

A reportagem identificou ao menos 59 publicações do gênero. Dentro desse conjunto, 52 títulos deixam claro em suas informações o emprego de ferramentas de IA para a geração de texto, colocando a coautoria para “Inteligência Artificial” ou “ChatGPT”, o chatbot da OpenAI.

Em outros três casos, a autoria é atribuída ao MidJourney (uma IA voltada para imagens), enquanto quatro obtiveram confirmação por parte da reportagem por meio de abordagens alternativas, checando no YouTube.

Em julho, a Amazon e outras seis empresas líderes no desenvolvimento de IA assumiram o compromisso com a Casa Branca dos Estados Unidos de utilizar a tecnologia de maneira responsável.

Os representantes dessas empresas assinaram um acordo que inclui a implementação de um sistema de marca d’água, o qual, em teoria, informará aos usuários quando o conteúdo em suas plataformas for gerado por algoritmos de inteligência artificial.

As temáticas das publicações encontradas variam desde livros infantis até obras de autoajuda, ficção e até mesmo imitações de autores renomados. Algumas delas exploram a metanarrativa, sob a qual o ChatGPT investiga sua própria natureza.

A confirmação da aplicação dessa tecnologia foi obtida através de análises das seções de autoria e co-autoria, além de referências indiretas, como criadores de conteúdo que documentam o processo de desenvolvimento de publicações geradas por IA.

Tutoriais on-line

No vasto acervo de YouTube e TikTok, o Núcleo identificou inúmeros vídeos que conduzem os espectadores pelo intricado processo de criação de livros físicos e eletrônicos com ferramentas de inteligência artificial.

O foco desses tutoriais? A venda desses produtos em plataformas de comércio eletrônico, incluindo a gigante Amazon. Uma simples pesquisa revela uma infinidade de vídeos, muitos deles carregados com conteúdo duvidoso, como expectativa de renda.

Algumas pessoas afirmam ser capazes de gerar uma renda substancial, chegando a até R$1.500 por hora, ao explorar a criação de e-books com inteligência artificial.

Neste conjunto de vídeos, também se destacam entusiastas da tecnologia, conduzindo experimentos com aplicativos como ChatGPT e MidJourney, entre outros.

O Canal Wesley Paulino postou um vídeo há seis meses com essa exata premissa, criando a obra “Deusa da Floresta”, atualmente à venda na Amazon. O autor não explicitou que a obra foi criada com co-autoria de ferramentas de IA generativa. Outro livro sem identificação adequada é o “O Caminho da Abundância: 10 Segredos Bíblicos para a Independência Financeira”, do canal Dinheiro Com Você — Por William Ribeiro.

Do total de 59 livros feitos por ou com o uso de IA identificados pelo Núcleo, em 4 casos a confirmação do uso da tecnologia foi obtida através de vídeos explicativos (como no exemplo acima). A descrição dos metadados dessas obras na Amazon não faz menção explícita ao uso da tecnologia de inteligência artificial.

Prática já é usada por editoras

A editora brasileira Novo Século entrou em uma polêmica recente justamente por não avisar seus leitores sobre o uso de arte criada com IA em uma capa de uma edição de Alice no País das Maravilhas.

No exterior, o New York Times denunciou que a Amazon está sofrendo uma inundação de guias de turismo falsos que dão dicas genéricas e potencialmente perigosas.

Já a revista The Atlantic mostrou em junho de 2023 que livros de colorir, stickers, canecas e camisas feitos por IA estão criando um tsunami de spams no Etsy, uma plataforma de vendas que ironicamente nasceu com a proposta de vender artesanato e peças únicas de criadores originais.

Plágio via IA

Na arena internacional, a Amazon enfrenta um aumento nas reclamações relacionadas a obras de IA em sua plataforma. Recentemente, a gigante do comércio eletrônico tomou a medida de remover livros suspeitos de usar a tecnologia para emular o estilo de escrita da autora americana Jane Friedman.

“A partir de hoje, há cerca de meia dúzia de livros sendo vendidos na Amazon, com meu nome neles, que não escrevi ou publiquei. Algum vendedor ambulante os gerou usando IA. Isso promete ser um problema sério para o mundo editorial”. (tradução via X)

De maneira similar, esse cenário está emergindo no Brasil. Na versão brasileira da Amazon, o Núcleo encontrou um livro baseado no estilo distinto de Clarice Lispector, vendido a R$5,99 e disponibilizado gratuitamente para assinantes do Kindle Unlimited, um serviço de assinatura de e-books da plataforma.

Autores influentes também estão compartilhando preocupações sobre outro ângulo dessa situação: os spams. Alguns afirmam com firmeza que o volume de livros gerados por IA está exercendo uma pressão prejudicial sobre a Amazon, especialmente para os autores independentes.

E não param por aí; esses autores também acusam esses conteúdos de se transformarem em uma espécie de “fazenda de cliques” (no inglês, click farm), um termo que descreve a produção em massa e questionável de conteúdo superficial para atrair atenção e audiência.

IA entre os mais vendidos

Entre 26 a 27 de junho, a seção de romances adultos da Amazon nos Estados Unidos foi surpreendida por uma inundação de peças geradas por inteligência artificial. Além disso, a lista de mais vendidos logo se viu preenchida com dezenas desses títulos.

A Amazon reagiu retirando alguns desses títulos do ranking. No entanto, segundo o Motherboard, a seção de tecnologia da VICE, eles continuaram disponíveis para compra.

O cenário difere para os livros e e-books brasileiros catalogados pelo Núcleo, já que nenhum deles figura entre os mais vendidos em suas respectivas categorias em português.

Em resposta ao Motherboard, um porta-voz da Amazon afirmou que a empresa mantém diretrizes claras de conteúdo, as quais regem quais livros podem ser listados para venda.

O porta-voz também afirmou que a empresa investiga prontamente qualquer preocupação levantada e “investe consideravelmente” em recursos para garantir uma experiência de compra confiável, protegendo tanto clientes quanto autores de potenciais abusos.

Amazon tenta reagir

Até o momento, a Amazon não compartilhou diretrizes específicas sobre como abordará essa questão e como orientará os consumidores. A incerteza permanece sobre se os livros criados com IA continuarão ou não na plataforma, tanto na Amazon quanto em outras plataformas de comércio.

Em resposta ao questionamento do Núcleo, a Amazon Brasil comunicou que, no que se refere ao uso da plataforma de publicação Kindle Direct Publishing, “todos os livros na Amazon.com.br devem seguir nossas diretrizes de conteúdo, incluindo a conformidade com os direitos de propriedade intelectual e todas as outras leis aplicáveis”.

Isso levanta dúvidas sobre se os livros criados por meio de IA serão mantidos ou retirados da plataforma da Amazon, bem como de outras plataformas de comércio eletrônico. A incerteza também persiste quanto ao grau em que os autores e criadores de conteúdo devem comunicar de forma clara aos possíveis compradores que sua obra foi gerada usando essa tecnologia.

Em relação a processos de denúncia, carecem informações sobre como os usuários podem formalizar queixas. Para os consumidores que adquirirem tais livros, a política de reembolso permanece sem esclarecimentos.

Fonte: Núcleo