Intérprete histórico do Salgueiro, Quinho morre aos 66 anos
Um dos mais conhecidos intérpretes das escolas de samba do carnaval carioca, Quinho do Salgueiro morreu nesta quarta-feira. A informação foi publicada pela escola de samba em suas redes sociais, em um texto que destaca que a carreira dele “transcendeu os limites da música”, definindo o talento dele como “a voz que ecoou em cada conquista, em cada desfile, e que se entrelaçou intimamente com a alma do Salgueiro”.
“Desde o início, nos anos 90, quando liderou o samba ‘Peguei um Ita no Norte’, até seu retorno triunfante em 2003 e a gloriosa vitória em 2009 com o enredo ‘Tambor’, Quinho não era apenas um cantor, mas um poeta que traduzia em notas a essência da nossa escola. Seu retorno em 2018, compartilhando o microfone com Emerson Dias, foi mais do que uma volta; foi o reencontro emocionante de um filho pródigo com a casa que sempre foi sua”, publicou o Salgueiro em suas redes sociais.
Quinho é o apelido de Melquisedeque Marins Marques. O nome tem inspiração bíblica e foi escolhido pelo pai, que era testemunha de Jeová. Só no Salgueiro, estava há pouco mais de três décadas, entre idas e vindas — no total, foram quatro passagens pela escola: de 1991 a 1993; de 1995 a 1999; de 2003 a 2014; e de 2019 até hoje.
Ao longo do ano passado, Quinho lutou contra um câncer de próstata, o que não o afastou do Salgueiro, que ainda renovou seu contrato de trabalho. Ele também ganhou uma estrela na calçada dos bambas de um bar temático da Tijuca e batizou com o seu nome o carro de som da escola.
“Quinho não apenas cantou para o Salgueiro; ele viveu e respirou cada nota, cada batida do coração acelerado da bateria. Ele personificou o espírito salgueirense, e sua ausência deixa um vazio indescritível. Hoje, não choramos apenas a perda de um grande artista; choramos a partida de um membro querido da nossa família”, publicou o Salgueiro.
Começo como ritmista
De uma família de sambistas — só o pai não era da folia —, Quinho como ritmista e depois entrou no Boi da Freguesia (atual Boi da Ilha) como compositor e intérprete. Foi lá que conheceu Aroldo Melodia, a quem substituiu na União da Ilha, onde chegou em 1984. O antigo intérprete voltou para mais dois carnavais — 1986 e 1987. Em 1988 Quinho assumiu novamente os microfones até 1990, quando se transferiu para o Salgueiro.
Ao longo da carreira, Quinho passou ainda por outras escolas do Rio, como São Clemente, Acadêmicos do Grande Rio, Império da Tijuca e Acadêmicos de Santa Cruz; de São Paulo, como Rosas de Ouro; e de Porto Alegre, como a Vila do IAPI. Mas sempre garantiu que era na vermelha e branca da Tijuca que se sentia mais feliz:
— Ao pisar nesse solo sagrado me tornei o Quinho do Salgueiro, mesmo sendo da Ilha do Governador e nunca tendo morado na Tijuca. É o prazer do dever cumprido. Afinal, são décadas de carinho, empenho e retribuição. Não tem como não amar essa escola — disse, em entrevista à O GLOBO, publicada em fevereiro de 2023.
Primeiro desfile como intérprete em 1991
O primeiro desfile como intérprete da vermelha e branca foi em 1991. Dois anos depois, em 1993, experimentou a primeira das muitas alegrias que a escola lhe deu, com o campeonato daquele ano e a consagração do samba-enredo “Peguei um ita no norte”, que ficou mais conhecido como “Explode coração”, do qual era um dos autores.
— Esse samba virou um hino e é cantado até hoje. Campeonato é um momento de êxtase e o Salgueiro já me proporcionou ser campeão duas vezes (a outra foi em 2009). Vice-campeonatos eu já perdi a conta — disse na mesma entrevista ao GLOBO.
Entre idas e vindas, só no Salgueiro permaneceu por mais de três décadas. Lá, se tornou conhecido pelo bordão “Arrepia Salgueiro!!!”, que se tornou sua marca registrada. Durante os desfiles, ainda usava seus “cacos” — termo que define as palavras ditas durante a cantoria — que também ficaram famosos, como o “Pimba, pimba”, ou quando falava “Ai, que lindo! Que lindo!”.
Por causa de divergências com a diretoria, Quinho chegou a passar um tempo afastado da escola e tentou se candidatar à presidência da agremiação. Mas teve a candidatura impugnada. Ao retornar em 2019, passou a dividir o carro de som com Emerson Dias. Em 2022 foi surpreendido com a descoberta de um tumor na uretra.
Mantendo o bom-humor, costumava brincar dizendo que seu problema não era nas cordas vocais, o que não o impedia de cantar. No desfile do carnaval de 2022, realizado em abril, o câncer já havia sido detectado, mas ele ainda não havia declarado isso publicamente, “para não fazer alarde”, e atravessou a avenida usando uma sonda.
Formação de novos talentos
O afastamento das atividades da escola foi combinado em comum acordo com o presidente André Vaz, que achou melhor que o intérprete priorizasse os cuidados com a saúde. Por reconhecimento aos serviços prestados pelo intérprete, Vaz decidiu então renovar o seu contrato por quatro anos e lhe deu uma nova missão: longe dos microfones, ele passaria a se dedicar à formação de novos talentos para a escola.
O projeto social, como não poderia deixar de ser, foi batizado de “Arrepia”, com a ideia é revelar novos intérpretes de samba-enredo. Também foi homenageado de outra forma, tendo seu nome eternizado no carro de som do Salgueiro.
Fonte: Extra