Ingressos do Maracanã que deveriam ser dados a pessoas pobres alimentam esquema de cambistas
Ingressos do Maracanã estão sendo desviados e vendidos ilegalmente. Entradas, que estão sob a tutela da Superintendência de Desportos do Estado (Suderj) e que deveriam ser cedidas a grupos menos favorecidos, caem nas mãos de cambistas.
Um deles é Ernani Júnior, flagrado negociando esses ingressos (veja no vídeo acima).
Reportagem: “Seu Ernani, essa é a cativa Suderj?”
Cambista: “É, vem escrito, olha aqui. Isso vem da Assembleia Legislativa, olha: ‘venda proibida, oeste cativa’”.
Reportagem: “Tá, mas isso não dá problema, não, né?”
Seu Ernani: “Não, isso aí não vende. Isso é só cortesia”.
A venda é proibida, e o bilhete pertence à Suderj, mas o cambista encontrado pela equipe de reportagem tinha dez ingressos para vender na quarta-feira (6), última partida do Campeonato Brasileiro no estádio.
O jogo entre Fluminense e Grêmio não era concorrido – por isso, o preço estava mais baixo – R$ 180 no mercado clandestino por um bilhete que a secretaria recebeu de forma gratuita.
Por que a Suderj recebe estes ingressos?
Desde 2019, por determinação do Governo do Rio, a Suderj recebe 860 ingressos a cada jogo para distribuir a um público específico:
pessoas de baixa renda;
jovens, idosos, pessoas com deficiência;
e grupos sociais vulneráveis.
A ideia é que essas pessoas assistam a jogos e eventos como manda a Constituição Federal, que determina o direito fundamental ao desporto e ao lazer.
O objetivo da portaria é ampliar o acesso ao lazer a pessoas que não têm condições financeiras de frequentar o estádio.
Essas cadeiras fazem parte de uma disputa judicial antigo. São assentos comprados na época da construção do estádio, na década de 1940 – as chamadas “cadeiras perpétuas”. Ao longo dos anos, no entanto, deixaram de pagar taxas ou não efetuaram os cadastros exigidos pelo estado.
Após um longo processo, elas perderam este direito, e o estado, então, determinou que a Suderj deveria administrar esses assentos. Um total de 860 cadeiras perpétuas que acabaram sem dono. Ou, como diz a portaria do governo, deveriam ser da população.
Na prática, as cadeiras viraram negócio lucrativo – como o próprio cambista diz:
“Sabe quanto estava dando isso aí? R$ 7 mil (…) Começou em R$ 4,5 mi, R$ 3,5 mil, uma semana e meia, duas semanas e meia antes do jogo”, diz o cambista.
O ingresso que estava com o cambista era verdadeiro – e com a impressão que pertence à Alerj. A produtora do RJ2 fez o teste e teve acesso ao setor oeste da cativa sem problemas, na partida de quarta-feira.
O ingresso estava em um envelope com outras nove entradas para o mesmo setor e foram entregues ao cambista por um motoqueiro, em uma rua de Copacabana.
Antes do encontro, o RJ2 conversou com o cambista por um aplicativo de mensagens. Para assegurar a procedência do bilhete, ele fez questão de dizer: os meus vêm da Assembleia Legislativa (Alerj).
Sem registro de beneficiados
De acordo com as regras, a cada jogo, a Suderj deveria publicar a lista das pessoas ou instituições que receberam os ingressos
“A presidência manterá registros específicos de todas as pessoas pertencentes a grupos socialmente vulneráveis previamente identificados, que ingressem nas referidas cadeiras cativas, seja em dia de jogos, seja em dia de shows, seja em qualquer evento, aberto ou não ao público”, diz o texto,
Não há qualquer registro, no entanto, de que esses ingressos estejam indo para quem deveria.
A equipe de reportagem acompanha o cumprimento da portaria há 10 meses. Por meio da Lei de Acesso à Informação, foi pedido acesso às listas de pessoas ou organizações beneficiadas.
O primeiro pedido foi respondido em abril, na gestão de Gelby Justo. O órgão respondeu que em função de recente troca na gestão da Suderj não haviam encontrado a lista de beneficiados.
“Informamos que houve uma recente mudança de gestão desta autarquia e também no gerenciamento do acesso as manifestações do sistema e-sic. Esclarecemos que não encontramos registros deixados pela antiga gestão com lista dos beneficiados pela portaria Suderj nº 23 de 17 de maio de 2019.”
Em junho, outro presidente assumiu, Renato de Paula, irmão do deputado federal Ottoni de Paula, do MDB.
Quatro meses após a posse dele, também pedimos, por meio da LAI, informação sobre a lista de pessoas que recebem os ingressos.
A resposta, mais uma vez, foi que a Suderj não tem essa lista: “A lista dos beneficiários está sendo organizada para em breve ser divulgada”.
Até a última atualização desta reportagem, a equipe de reportagem está esperando.
O tíquete do ingresso será entregue na sexta-feira (8) ao Ministério Público.
Após a exibição da reportagem, a Suderj respondeu à TV Globo e disse que todos os ingressos de cadeiras cativas são direcionados a instituições públicas, ONGs e instituições sociais, mas não divulgou que entidades são essas – mesmos sendo obrigatório.
A Suderj disse ainda que as denúncias serão investigadas com rigor.
A Alerj informou que a casa não tem entre suas prerrogativas o controle de ingressos esportivos e muito menos o fornecimento deles a terceiros.
O cambista Ernani atendeu o telefone, mas a ligação caiu após ele ser perguntado sobre a venda de ingressos.
O RJ2 não conseguiu contato com os outros citados na reportagem.
Fonte: g1