Esporte

Futebol feminino ganha força com as SAFs; na contramão, Atlético-MG desmonta departamento

A derrota por 5 a 1 para o Corinthians, em junho do ano passado, sacramentou o rebaixamento do time feminino do Bahia para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Após a queda, o clube anunciou que faria mudanças no departamento de futebol. Isso, no entanto, não significou o desmantelamento da equipe, como se poderia esperar. Na verdade, intensificou um processo de reestruturação para a disputa do Campeonato Estadual, marcado para começar no mês seguinte. O plano deu frutos, e o time conquistou o tetracampeonato do Baianão.

A situação do tricolor ilustra como o modelo das SAFs — que criou mecanismos para clubes de futebol virarem empresas — vem ajudando a aumentar os investimentos na ainda defasada categoria feminina. Algumas dessas organizações, como o Bahia, que se tornou SAF em maio de 2023, demonstram mais atenção ao lidar com a modalidade.

— Temos a sensação de fazer parte do clube, nos tratam com a mesma importância do masculino. Nos primeiros trabalhos após a reapresentação, que envolvem a parte física e de exames, tivemos acesso a equipamentos e aparelhos de ponta, utilizados pelo masculino, além de toda a estrutura física — explica a treinadora do time feminino tricolor, Lindsay Camila.

Responsabilidade
Em seu artigo inaugural, a Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) diz que se trata de uma “companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional”. Ou seja, já em sua criação, propunha-se a equiparar as duas categorias.

Dentro dessa realidade, onde a lei diz que é necessário investir na modalidade — além da obrigatoriedade de equipes femininas para todos os clubes que disputam a Série A —, as SAFs estão buscando meios de atribuir valor monetário aos times de mulheres, além da valorização dos profissionais atuantes na área.

SAF desde dezembro de 2021, o Cruzeiro colocou como uma das principais metas a responsabilidade financeira. Assim, mantém suas atletas em regime de CLT e com o pagamento de direitos de imagem em dia.

— Nosso diferencial competitivo é a condição de trabalho. Tudo o que temos conquistado em campo é consequência disso. O Cruzeiro terminou 2023 como campeão estadual e o melhor time ranqueado pela CBF em Minas — afirma a diretora de futebol feminino do clube, Kin Saito.

Apesar da conquista da vaga na Série A não ter vindo em 2022, primeiro ano de SAF no Botafogo, o futebol feminino do clube teve uma temporada de bons resultados em 2023. O principal deles foi a promoção à primeira divisão nacional, com direito a 7 a 1 na partida decisiva. Além disso, o time foi vice-campeão estadual.

Rose de Sá, coordenadora do futebol feminino alvinegro, diz que, com mais investimento, valorização do legado construído até o momento e equipe especializada, os objetivos dentro de campo são atingidos. Esse estafe inclui dois supervisores, um preparador físico, um treinador de goleiros, fisiologista, psicóloga, nutricionista, assistente social, analista de desempenho, três médicos, cinco fisioterapeutas e dois roupeiros.

Reparação histórica
No Centro-Oeste, a reestruturação começa em um time menor, numa capital onde o futebol não é tão forte quanto em outros estados.

Em 2021, o Cuiabá foi o primeiro clube, até então na Série A, a virar SAF. Desde então, segundo Eduardo Henrique Bickel, coordenador técnico das categorias de base e também responsável pelo departamento de futebol feminino, o time vem reestruturando a modalidade, criando categorias inferiores e equipes próprias para cuidar das atletas dentro e fora de campo.

— Temos o nosso sub-20 já treinando e se preparando para o Campeonato Brasileiro. Tem sido um trabalho contínuo de retomada e análise, desde que disputamos o Campeonato Mato-grossense no ano passado. Mas seguimos vendo a realidade do futebol feminino no estado e no Brasil, porque não é apenas uma obrigação, é enxergar o esporte com respeito — diz Bickel.

Com diversas SAFs na Série A do Brasileiro, a necessidade de manter a modalidade ativa duplica, pois, além dos investimentos previstos na própria lei das Sociedades Anônimas, esses clubes precisam ter times femininos profissionais e de base para continuar disputando campeonatos sem sofrer sanções.

O Regulamento de Licenciamento de Clubes da Conmebol traz no Capítulo IV os critérios esportivos exigidos pela entidade para a participação em campeonatos promovidos pela Conmebol e também pela CBF. Sem o cumprimento da normativa, não é possível disputar os principais torneios nacionais e continentais.

— Essa soma de leis dá ainda mais força para o futebol feminino se consolidar, mesmo que de forma não-orgânica, até o momento em que seja natural e tenha equidade. Essa obrigatoriedade colocada na lei da SAF me parece ser uma forma de corrigir distorções observadas ao longo do tempo e de reparar a proibição da prática do futebol feminino no Brasil, que perdurou até os anos 1980 — analisa Filipe Souza, mestre em direito desportivo pela PUC-SP.

SAF do Galo vai em movimento contrário
Na contramão de outras SAFs, o Atlético-MG, que constituiu a Sociedade Anônima no ano passado, deu alguns passos atrás no futebol feminino. Apesar de estar na elite do Brasileirão, o clube passa por um desmonte do departamento, que pode impactar diretamente nos resultados.

No time principal, o Galo trocou mais uma vez de comissão técnica e iniciou o ano com apenas seis jogadoras — as demais não tiveram os contratos renovados. Até março, o clube terá de montar uma equipe completa para o início do Brasileiro, pois é condição obrigatória para disputar competições da CBF e da Conmebol.

Em reportagem recente do ge, algumas atletas reportaram as condições inadequadas de treinamento, seja os locais das atividades ou questões de uniforme.

Na base, as equipes sub-17 e sub-20 foram descontinuadas na semana passada. Ao longo dos últimos anos, jogadoras vinham sendo aproveitadas no time principal. Os envolvidos não receberam muitas explicações.

Em nota recente à imprensa, a diretoria do clube afirmou apenas que um novo projeto está sendo formulado com a contratação de um novo gestor para o futebol feminino.

Porém, não faz muito tempo o Atlético havia realizado mudanças no departamento para dar início a um projeto profissional e de âmbito internacional. No fim de 2021, quando confirmou o acesso à Série A1, a direção contratou a técnica Lindsay Camila, que havia sido campeã da Libertadores com a Ferroviária. Na ocasião, investimentos foram feitos em novos campos de treinamento, e o clube contratou alguns nomes internacionais, vindos, sobretudo, da Colômbia.

Lindsay ficou no cargo até março do ano passado, sendo substituída por Vantressa Ferreira, dispensada após a campanha ruim no último Brasileiro. O novo comandante será Antony Menezes, que tem em seu histórico o rebaixamento do Vasco da Série A2 para A3.

— Por que há dois anos o projeto do clube era ambicioso, visando a êxitos nacionais e internacionais, e agora, coincidentemente com a SAF, está desorganizado e trabalhando com austeridade? A situação para 2024 parece indicar um derretimento do futebol feminino no clube, e a permanência na elite nacional já deve ser vista com enorme preocupação — reflete Amanda Viana, jornalista especializada em futebol feminino.

Fonte: O Globo