Estudo identifica misteriosos ‘círculos de fadas’ em mais de 200 locais ao redor do mundo
Círculos estranhamente bem desenhados, com uma leve depressão em seu centro e uma borda formada por um pequeno montinho de areia. Assim são os chamados “círculos de fadas”, fenômeno registrado nas paisagens desérticas e áridas da Namíbia, no sul da África, e do interior da Austrália Ocidental. O porquê e como essas formas surgem ainda é um mistério e, por isso, uma pesquisa recente decidiu procurar as respostas longe dos seus tradicionais locais de aparecimento.
Publicada na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy os Science, a pesquisa da Universidade de Alicante, na Espanha, buscou identificar padrões de vegetação dos “círculos de fadas” (regiões áridas e/ou locais secos, com pouca precipitação) em centenas de novos locais espalhados em mais de 15 países de três continentes diferentes. Para isso, o grupo de especialistas contou com a ajuda de Inteligência Artificial (IA).
Principal autor do estudo, Emilio Guirado, do Instituto Multidisciplinar para Estudos Ambientais, apontou à CNN que essa é a primeira vez que a tecnologia, baseada em imagens de satélite, é usada em larga escala para tentar identificar padrões do círculo.
Antes da coleta, os cientistas treinaram a rede neural para detectá-los. Para isso, a equipe inseriu mais de 15 mil imagens de satélite da Namíbia e da Austrália Ocidental com metade mostrando o fenômeno e a outra metade, não.
Entendido o que era o círculo, os pesquisadores partiram então para o reconhecimento de terreno: imagens de satélite de mais de 575 mil porções de terra de todo o mundo, medindo cerca de 10 mil m², também foram inseridas na IA.
Com um histórico rico e vasto de informações, a inteligência artificial conseguiu identificar padrões de círculos que em muito se assemelham aos “círculos de fadas” conhecidos, levando em conta sua forma, tamanho, localização, densidade e distribuição. A conclusão, porém, exigiu um toque humano. Guirado explica que foi necessário destacar manualmente “algumas estruturas artificiais e naturais que não eram ‘círculos de fadas’ com base na interpretação das fotos e no contexto da área”.
Restaram portanto 263 imagens em alta resolução, tiradas de regiões distribuídas na África — como o Sahel, Saara Ocidental e Chifre da África — em Madagascar e no centro-oeste da Ásia, que continham padrões semelhantes aos círculos da Namíbia e Austrália Ocidental.
Os cientistas também coletaram informações sobre o ambiente no qual os círculos estavam inseridos. Eles notaram que o fenômeno tinha maior probabilidade de aparecer em solos muito secos e arenosos, com alto teor alcalino e baixa concentração de nitrogênio (N).
Ainda segundo a pesquisa, também foi possível verificar que os “círculos de fadas” ajudam a estabilizar os ecossistemas nos quais aparecem, aumentando a resistência da área a eventos naturais extremos, como enchentes e secas.
Fazer ciência é sempre testar e duvidar de uma teoria, buscando, a partir da dúvida, avançar cada vez mais. Por isso, apesar de inovadora, a pesquisa da Universidade de Alicante levanta questionamentos e debates.
O pesquisador da Universidade de Göttingen, na Alemanha, Stephan Getzin, que estudou os “círculos de fadas” na Namíbia, disse à CNN por e-mail que de fato os círculos não são o único fenômeno a produzir essas formas na terra e que, por isso, um forte padrão de ordenamento entre elas distingue o fenômeno dos demais.
Em artigo publicado com um grupo de pesquisadores em novembro de 2021, Getzin esmiúça esse padrão, enfatizando os detalhes e mostrando os porquês desses círculos serem únicos. Por isso, ele enfatizou à rede americana, que os modelos recolhidos pelo novo estudo — do qual não está envolvido — são insuficientes.
“Os círculos de fada são definidos pelo fato de que têm, em princípio, a capacidade de formar um padrão ‘espacialmente periódico’, sendo ‘significativamente mais ordenado’ que outros similares — e nenhum dos padrões da pesquisa supera esse alto padrão”, escreveu Getzin à CNN.
Em resposta, Guirado afirmou que não existe uma definição universal sobre o que são os círculos de fada. Ele disse que seu grupo identificou padrões ao medir individualmente o círculo e a sua forma, bem como os padrões que eles formavam de maneira coletiva, e que estes se assemelham às diretrizes estabelecidas por diversos estudos publicados.
— As métricas são praticamente as mesmas — defendeu à CNN.
Dos 263 locais registrados, alguns foram aprovados por Fiona Walsh, que estudou o fenômeno no outback australiano. A etnoecologista e pesquisadora da Universidade da Austrália Ocidental disse à CNN por e-mail que “a distribuição de padrões [dos que aparecem] na Austrália parece ser congruente com algumas das informações que reportamos anteriormente”.
Guirado e seus colegas de pesquisa ainda não conseguiram bater o martelo quanto à célebre pergunta sobre o que forma esses círculos. Para os cientistas, a resposta é complexa, e os fatores imbricados nesse processo podem variar de um ambiente para o outro. O mesmo aconteceu com Getzin e Walsh.
Na Namíbia, o pesquisador alemão observou que algumas condições climáticas juntamente com a vegetação do local geraram o círculo de fadas. Ele disse que as atividades dos insetos, como os cupins, que são encontrados nessas zonas mais secas não têm impacto direto no fenômeno.
A resposta vai na mão oposta do que Walsh descobriu ao se debruçar sobre as formações desses círculos na Austrália. No caso deles, a pesquisadora contou que a ação dos cupins está diretamente ligada. Sua pesquisa contou com o apoio intenso de alguns povos aborígenes “que ilustraram esses padrões pelo menos desde a década de 1980 e disseram que os conheciam há gerações, provavelmente milênios antes”, escreveu por e-mail à CNN.
“Eles são o mecanismo principal e as interpretações precisam ser centradas na dinâmica cupim-grama-solo-água”, completou Walsh.
Apesar da dificuldade em encontrar a resposta, Guirado está esperançoso:
— Esperamos que as informações que publicamos no artigo possam fornecer aos cientistas de todo o mundo novas áreas de estudo que resolverão novos enigmas na formação dos padrões dos círculos de fadas — disse à CNN.
Fonte: O Globo