Empreendedorismo em 2024: 6 mudanças para ficar de olho neste ano
O ano de 2023 marcou um período de alterações com potencial para influenciar o cenário empreendedor no longo prazo. A criação do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP), a redução da taxa básica de juros, a Selic, pelo Banco Central e a aprovação da Reforma Tributária, que vinha sendo discutida por décadas, estão entre os destaques. Mas e para este ano? Quais impactos e mudanças o empreendedor pode esperar?
Para responder a esta pergunta, selecionamos seis tópicos que devem estar na pauta dos donos de negócios em 2024.
Nesta reportagem, vamos falar sobre:
Acesso a crédito;
Selic;
Iniciativas governamentais (Desenrola PJ, Cartão MEI e plataforma unificada);
Aumento do teto do faturamento do MEI (Microempreendedor Individual);
Drex;
Reforma Tributária;
Compras parceladas no cartão.
Acesso a crédito
É consenso entre os especialistas que a oferta de crédito para os pequenos negócios deve ser uma das prioridades para melhorar o ambiente para empreendedores. Em entrevista a PEGN, o ministro Márcio França, titular do MEMP, disse acreditar que este seja o grande desafio para o setor. “Os empreendedores entraram em um ciclo negativo do qual só será possível sair com a ajuda de uma mão, que tem que ser dada pelo governo”, afirmou a respeito do período de crise causado pela pandemia de covid-19.
Como resposta, ainda no final de 2023, a pasta anunciou uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para micro e pequenas empresas. A iniciativa é fruto de uma parceria do Sebrae com Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e a Agência Pública de Inovação (Finep). O programa, cujos detalhes o ministério promete revelar ainda em janeiro, terá duração de três anos. A previsão é que o crédito passe a valer em 2024, com orçamento das entidades parcerias, que serão os responsáveis por emprestar o dinheiro e definir os juros de cada linha.
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“O Brasil nunca teve tanto dinheiro para emprestar para pequenas empresas, mas é preciso emprestar para os empreendedores que mais precisam de crédito para crescer. É difícil competir com as grandes”, diz Ercílio Santinoni, presidente da Conampe (Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas e Empreendedores Individuais).
Carlos Honorato, economista e professor da FIA Business School, é mais cético em relação ao efeito prático do fundo. “R$ 30 bilhões é um valor expressivo, mas ainda aquém do necessário”, afirma. “O acesso continua muito difícil. Os bancos, que às vezes fazem essa intermediação, não têm interesse em lidar com o pequeno empreendedor, que tem um negócio de risco.” A sugestão de Honorato é uma linha de crédito com garantias do governo. Desta maneira, diz, os bancos se sentiriam mais seguros e poderiam oferecer juros mais baixos.
Selic
A queda da Selic ao longo de 2023 foi um movimento econômico importante. Em agosto do ano passado, o Banco Central aplicou sua primeira redução na taxa básica de juros desde 2020, cortando o índice em 0,5 ponto percentual. A Selic, que estava estacionada em 13,75% havia um ano, encerrou o ano em 11,75%. O índice é o parâmetro que os bancos comerciais utilizam para oferecer crédito. Quando a taxa diminui, as modalidades de crédito (incluindo cheque especial) ficam mais baratas.
Na visão de Décio Lima, presidente nacional do Sebrae, o ambiente de negócios no Brasil — com geração de emprego formal, estabilização da inflação e resultado do Produto Interno Bruto (PIB) acima do esperado — está em ritmo de recuperação, e a redução da taxa tende a melhorar o cenário de crédito para os empreendedores. Ele lembra, porém, que os indicadores ainda são altos. “Mesmo com a revisão, os juros no Brasil estão entre os mais caros do mundo. Com taxas tão altas, instituições financeiras e tomadores de financiamento são desestimulados”, diz. “Esse recurso faz falta ao dono do pequeno negócio quando ele pensa em expandir a empresa, incorporar inovações tecnológicas, melhorar a sustentabilidade e gerar novos empregos, por exemplo. Até porque todo crédito tomado hoje se torna uma dívida que será paga ao longo do tempo.”
Paulo Vicente, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral, lembra que a pressão inflacionária no Brasil e no exterior pode dificultar a baixa da Selic. “Ainda existe uma discussão de quanto os juros vão realmente cair, mas mesmo ligeiras reduções provocam alívio”, diz o professor.
Segundo o Boletim Focus, a expectativa é que a taxa básica de juros termine 2024 em 9%.
Iniciativas governamentais
O novo ministério tomou para si a responsabilidade de trazer soluções à população empreendedora na forma de políticas públicas. Segundo Márcio França, algumas iniciativas já estão em desenvolvimento. É o caso do Desenrola para pessoas jurídicas e do Cartão MEI.
A expectativa da pasta é que o programa de renegociação de dívidas voltadas às empresas saia ainda no primeiro trimestre deste ano. “Precisamos ajudar quem tomou empréstimos do Pronampe. São pessoas que pegaram dinheiro com juros de 4%, que de repente se tornaram, com o aumento da Selic, 18% ou 19%. Temos que destravar isso. Não há vantagem em descredenciamento do Simples ou que a pessoa fique endividada ou vá para a informalidade”, disse em entrevista a PEGN.
O Cartão MEI viria na sequência. Além de documento de identificação para MEIs, a iniciativa contaria com um aplicativo por meio do qual os empreendedores possam ter acesso a empréstimos mais vantajosos. O microempreendedor, fala França, também faria parte de um sistema de rating — avaliação para facilitar tomada de crédito e seria alimentada por consumidores e contabilistas. A ideia é lançar uma versão virtual no primeiro semestre, e um cartão físico na segunda metade de 2024 para quem tiver interesse.
Também está em elaboração pelo Governo Federal um portal para simplificar a abertura de pequenos negócios no Brasil, criando um sistema nacional que reuniria em uma plataforma as exigências burocráticas federais, estaduais e municipais, de forma padronizada. A página é um complemento à Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) e será desenvolvida pela Receita Federal, diz Maurício Juvenal, secretário nacional de Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, em entrevista a PEGN.
Ele afirma que o investimento da Receita no projeto é de pelo menos R$ 5 milhões e que um piloto da plataforma está em testes técnicos. A equipe está em processo de escuta e análise das particularidades das juntas comerciais dos estados e municípios, para poder avançar na padronização. “Queremos identificar com mais clareza quais são os gargalos e os impeditivos hoje para que a gente tenha essa padronização de linguagem e possa avançar”, afirma o secretário. A expectativa do MEMP é que o novo portal esteja disponível no final deste ano.
Aumento do faturamento do MEI
Desde 2018, o microempreendedor individual pode faturar até R$ 81 mil por ano — uma média de R$ 6.750 por mês. A maior crítica ao teto é a defasagem. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/21, que propõe fixar o limite de faturamento do MEI em R$ 130 mil. Em agosto de 2023, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) entrou no debate, propondo o aumento do teto para R$ 144,9 mil.
Santinoni, do Conampe, diz não acreditar que qualquer projeto de reajuste do teto saia neste ano. “Segundo dados da Receita Federal de setembro de 2023, 58,33% das empresas inscritas no Simples Nacional possuem faturamento de até R$ 144 mil por ano. Seria uma renúncia fiscal muito grande transformá-los em MEI”, afirma. Ele opina que a proposta deveria vir acompanhada de um aumento no valor da contribuição mensal do MEI para cerca de R$ 180. Segundo Santinoni, a ideia está sendo discutida no Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
O MEMP herdou a discussão do MDIC. Mas, apesar de o documento do ministério gerido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin propor o aumento do limite para R$ 144,9 mil, França tem uma proposta alternativa. Ele sugere a criação de uma “rampa de transição”. De acordo com o ministro, com uma regra desse tipo, o MEI que ultrapassasse o faturamento de R$ 81 mil não seria desenquadrado do regime. França defende que a medida tiraria do empresário a pressão de precisar faturar menos para não explodir o faturamento. “Há pessoas que, no final do ano, fecham suas portas para não ultrapassar o limite. Não faz sentido o governo instigar esse tipo de reação.”
Drex
Anteriormente chamado de real digital, o Drex está em testes desde março de 2023 e é uma das apostas do Banco Central para este ano. O cronograma original previa que o Drex estivesse operacional até o final de 2024 mas, segundo o site do BC, ainda não há uma data específica para o lançamento. Ainda assim, após o enorme sucesso do Pix, já existe uma grande comoção sobre como a nova modalidade poderia impactar os brasileiros, inclusive os empreendedores.
De acordo com Felipe Araújo, gestor de PG (Gestão da Informação) no Hub InovAtiva e Analista de Empreendedorismo e Inovação na Fundação CERTI, o Drex não é apenas a digitalização da moeda, mas a criação de uma tenologia que poderá rastrear o caminho do dinheiro. “Será possível programar as movimentações. Por exemplo, determinada quantia paga por um produto só entrará em outra conta depois que o item em questão for entregue”, afirma.
Rodrigo Amantea, professor e head do Hub de Inovação Paulo Cunha, do Insper, complementa: “O Drex trará mais simplicidade e segurança em algumas compras e vendas que são mais complexas, com contratos. Por exemplo, uma compra de automóvel ou imóvel pode ser beneficiada.
Na visão de Aráujo, as fintechs poderão se beneficiar especialmente do Drex. “Startups com soluções financeiras precisam se preocupar muito com toda a parte de infraestrutura e segurança das transações. O ambiente do Drex já vai ter um sistema que entregará todas as ferramentas de segurança. Com isso, o empreendedor terá mais tempo para se preocupar com o seu serviço. É como se nós eliminassemos uma barreira para novas soluções inovadoras.”
Reforma Tributária
Depois de décadas de discussão, a Reforma Tributária foi aprovada em dezembro de 2023, e deve ser implementada de maneira gradual, de 2026 e 2033. Honorato, da FIA Business Schol, explica que a medida não reduz o valor dos impostos, mas simplifica a maneira como eles são cobrados.
Na prática, o projeto transforma cinco tributos sobre produtos e serviços no país em um único imposto, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, que combina duas taxas:
CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) unificará os tributos federais IPI, PIS e Cofins
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal)
“Apesar de ainda levar anos para estar completamente em vigor, será uma vantagem para as pequenas empresas, que já podem se planejar a partir de agora”, diz Paulo Vicente, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral.
“Em um ambiente muito confuso, grandes empresas criavam descontos e investimentos para si próprias. Por exemplo, influenciando o governo para que tivessem privilégios tributários e, consequentemente, ficassem mais competitivas. Com um esquema mais padronizado, as pequenas empresas não precisam ter grande porte para influenciar o governo”, diz. “A situação será mais nivelada.”
Até o momento, a Reforma Tributária se debruçou sobre o consumo — é esperado que sejam feitos projetos de lei complementares para regulamentá-la. A segunda etapa da reforma mudará também a cobrança e o pagamento do Imposto de Renda.
Compras parceladas no cartão
A discussão a respeito do rotativo do cartão de crédito trouxe consigo um segundo debate, o eventual do fim do parcelamento sem juros e seu efeito para os empreendedores. Em novembro, entidades ligadas ao comércio chegaram a lançar o movimento “Parcelo Sim!”, com o mote “sem parcelar, não dá para comprar”. O grupo criou uma petição contra a restrição. Até o momento já foram coletadas mais de 800 mil assinaturas para o documento, que está sob análise do Banco Central.
Ainda em 2023, em dezembro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu pela não alteração das regras de parcelamento. Segundo o Sebrae, no entanto, a discussão deverá ser retomada em 2024. A entidade se posicona a favor da manutenção da modalidade.
O parcelamento sem juros movimenta R$ 1 trilhão, correspondente a 10% do PIB do país. Nove em cada dez varejistas no Brasil adotam o parcelamento sem juros no cartão para efetivar parte de suas vendas. Os dados são da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
“É uma prática muito comum. As pessoas no mercado já sabem lidar, e quem compra e vende sabe que tem há juros embutidos”, concorda Honorato, da FIA Business School. “Ao eliminar essa possibilidade, é necessário oferecer uma alternativa, já que é uma perda para empresa e consumidor.”
Fonte: PEGN