Com aumento de solar e eólica, ‘Verão Verde’ pode não ter aumento de energia
Em um momento de alta no consumo de eletricidade, o Brasil se prepara para ter o verão com mais energia renovável de sua História, segundo especialistas. Os reservatórios das hidrelétricas devem chegar ao fim do ano no maior patamar desde 2011 e as fontes eólica e solar tiveram um salto. Essa combinação deixa em segundo plano as termelétricas. A previsão é que as usinas movidas a combustível fóssil se mantenham no patamar mínimo de operação, segundo previsões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Campos é a segunda cidade do Estado com maior geração de energia solar, e São Francisco tem a única usina eólica do Rio.
Segundo Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, hidrelétricas, eólicas e solares responderam por 91%, na média, da energia elétrica distribuída entre janeiro e junho deste ano. Segundo cálculos das consultorias Safira e Thymos, esse patamar será mantido no segundo semestre, mesmo com a perspectiva de consumo maior, porque a previsão é de mais energia a partir do sol e do vento.
De janeiro a junho, a energia eólica representou 11,9% do total distribuído. Para Mikio Kawai Jr., CEO da Safira, ela deve avançar para 18%. No caso da solar, o percentual passaria dos 3,3% registrados no primeiro semestre para 6,5%.
Esse avanço é considerado positivo por analistas pela diversificação da matriz, pelo aspecto ambiental, pelo custo menor para o consumidor e pela complementação a uma fonte que depende do regime de chuvas, mas também exigirá mudanças na gestão do setor elétrico, alertam.
Na última semana, o país registrou o maior apagão desde 2009, com impacto em 25 estados e no Distrito Federal. A investigação a respeito da dimensão do evento, que começou em uma linha de transmissão no Ceará, ainda não foi concluída. O que não se sabe até agora é como um fator considerado menor conseguiu afetar o país inteiro.
Uma das suspeitas entre especialistas do setor elétrico era quanto ao papel da energia eólica. A avaliação era que o aumento de energia de fonte intermitente poderia ter reduzido a segurança do sistema. O governo descartou qualquer vínculo, dizendo que a fonte não é problema, mas solução.
Ainda assim, analistas alertam para o fato de que será preciso investir mais para se adaptar a essa nova composição da matriz elétrica, não só em tecnologia, como em transmissão.
— Vamos manter esse percentual acima de 90%, com eólica e solar aumentando sua geração, de forma que as usinas hidrelétricas sejam poupadas para o próximo ano. Hoje, o aumento das fontes tidas como intermitentes, que podem ter variações a depender do vento e do sol, é um desafio para o setor. Por isso, é preciso ter um sistema de back-up mais robusto e isso se dá com investimento em reforço de linhas de transmissão e em softwares, de forma que o tempo de resposta de outras fontes seja mais rápido — afirmou Kawai.
Para Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em um cenário de excesso de geração, os desafios do setor elétrico se voltam agora para a confiabilidade e integração mais eficiente entre as fontes:
— A forma de operar o sistema precisa se adaptar à nova realidade, em que o fator escasso é a confiabilidade do sistema e não mais a oferta de energia. As fontes renováveis são variáveis e exigem flexibilidade. Ou seja, as outras fontes precisam estar disponíveis instantaneamente e serem capazes de se desligarem de acordo com a demanda.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que haverá um reforço nas linhas de transmissão para a entrada de mais energia eólica e solar. E prometeu contratar R$ 60 bilhões em linhas para garantir a segurança e os investimentos.
Em nota, o ONS disse que o crescimento de fontes intermitentes é um dos desafios do setor. “Outros estão associados à crescente incorporação de novas tecnologias em todas as atividades do setor, o que exige ações voltadas à segurança cibernética. Avaliamos que não há um desafio mais complexo e sim um conjunto de desafios”, afirmou.
Sem o salto nos últimos anos nas fontes eólica e solar, as usinas termelétricas, consideradas mais poluentes, poderiam representar um quinto da geração de eletricidade no país. O patamar atual é na faixa de 8,1%. Já chegou a ser de 21,4% na última crise hídrica, em 2021. Ciocchi, porém, destaca a importância das termelétricas para a segurança do abastecimento:
— Como estamos com níveis favoráveis nos reservatórios, as térmicas só atuam nos casos em que é obrigatório. Mas elas são instrumento fundamental para a manutenção da segurança do setor elétrico. Diversidade e distribuição de fontes, aliadas à expansão da transmissão, são essenciais para tornar o sistema cada vez mais resiliente a variações climáticas e a situações hidrológicas adversas. O debate sobre transição energética precisa considerar a confiabilidade e a segurança no abastecimento.
O cenário que se desenha adiante é de uma participação ainda maior da energia gerada a partir do vento e do sol. As duas fontes somam 93,5% de todos os projetos que vão entrar em operação até 2029.
Alívio no bolso
No próximo verão, o consumidor já deve sentir o alívio no bolso com a presença de mais fontes renováveis. Segundo João Carlos Mello, CEO da Thymos, o Brasil terá o verão mais renovável de todos. Com isso, a previsão é que o Brasil tenha bandeira verde até 2025. Assim, não deve haver taxa extra na conta no período de maior consumo. De janeiro a junho deste ano, o consumo já foi maior do que no mesmo período do ano passado.
— O preço da energia não preocupa. Vamos ter o El Niño, que reduz a previsão de chuvas. Mas os reservatórios estão cheios, e o consumo ainda tem crescimento tímido. Estamos em uma situação confortável — afirmou.
Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto Ilumina, lembra que, sem as novas fontes renováveis, o Brasil estaria “gastando” ainda mais água nos reservatórios.
— Com o avanço das fontes eólica e solar nos últimos anos, o país vai ter o verão mais renovável de todos. O ideal é que as renováveis, ao crescerem, sejam acompanhadas de outras fontes e por linhas de transmissão — afirmou.
Fonte: O Globo