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Chico Chico comenta música em que mãe cita seu nome e fala de carreira: ‘Não dá mais para ser moleque’, diz filho de Cássia Eller

Uma tarde ensolarada de quinta-feira, no Bar do Serginho, coração do bairro de Santa Teresa, na região central do Rio. Logo que chega, Francisco Ribeiro Eller, o Chico Chico, filho da cantora Cássia Eller (1962-2001), chama a atenção pela gargalhada e por ser aquele cara que cumprimenta e é cumprimentado por todo mundo. Morador da região há seis anos, ele já era íntimo de Santa, tendo cursado o ensino médio no Centro Educacional Anísio Teixeira, o Ceat. Passaria, com sua cabeleira e camisa do Vasco, por um dos garotos que matam aula no bar.

— Mas eu estou com 30 anos, não dá mais para ser moleque! Estou ligado em tocar, gravar discos, deixar alguma coisa — diz o cantor e compositor, que lançou na sexta-feira seu primeiro EP pela Deck, sua estreia em gravadoras de porte. — A melhor coisa do mundo é sair por aqui, ver os coroas, tomar uma cervejinha, fazer piada, falar merda… e aí sai música! Alguém fala uma frase bonita e você rouba.

Quem guia Chico por essa empreitada é Pedro Fonseca, de 28 anos, amigo desde os tempos de Ceat e também presente no Bar do Serginho. Tecladista e diretor musical dos shows do cantor (e, quando o dever chama, pianista de Jorge Ben Jor), Pedro morava no Encantado, Zona Norte carioca, começou a tocar aos 6 anos de idade e se tornou colega de colégio de Chico graças a uma bolsa de estudos.

— Desde o ano passado, a gente estava procurando um meio de ter mais condição para produzir o nosso próprio trabalho e o Fonsa (Pedro Fonseca) fez a ponte — diz o cantor.

A tal ponte começou a ser erguida quando Pedro Fonseca tocou em “Vale quanto pesa: pérolas de Luiz Melodia”, disco de Pedro Luís para a Deck. Gostando do que viu e ouviu, o amigo então sugeriu a Chico que procurassem a gravadora. Lá, entenderiam o som deles — na definição de Fonseca, uma “MPB com pegada mais visceral”.

— Chico Chico é fera e está focado em botar a coisa para frente — resume Rafael Ramos, diretor artístico e produtor musical da Deck.

O EP de Chico Chico pela Deck traz duas canções e duas vinhetas — mas, segundo Chico, como “cada vinheta conta como meia música”, a conta fecha em três músicas. Vê-se logo que ele quer mais é confundir do que explicar.

— É legal isso, porque vai gerando uma curiosidade… muita gente não entendeu, o que eu acho ótimo! E aí a gente vê o que vai acontecer — provoca o cantor. — O Fonsa me puxa sempre para um lado mais moderno, de beats e de experimentação sonora, que eu acho legal para caramba.

As canções de fato do EP são “Espelhos” (de 2017, que ele vinha tocando em shows) e “Entre prédios”, que já tinha até gravado antes, em 2020, com o cantor e parceiro João Mantuano, outro colega de Ceat. O conceito formulado por Pedro Fonseca era o de explorar a dualidade de Chico, um cara urbano e interiorano ao mesmo tempo.

— Não estou mais numa fase muito interiorana, mas sempre gostei de viajar, já conheci umas coisas boas pelo Brasil e passei muito Natal, muitas férias de julho com a família em Ponte Nova, interior de Minas — conta o cantor, que, não por acaso, escolheu Santa Teresa, um bairro com jeito de cidade do interior, para morar. — Ao mesmo tempo, você desce de Santa e já está naquela porra da Lapa!

Chico Chico admite que suas músicas têm muito da MPB dos anos 1970, “mas também são os anos 20 do século XXI”:

— Normalmente, as músicas que eu faço saem sempre de uma maneira mais regional, calcadas num baião ou num samba. O Fonsa é que pega isso e dá uma roupagem mais moderna. A gente admira muito os anos 1970. Só não quer reproduzi-los.

Um álbum de Chico Chico está programado para o primeiro semestre do ano que vem. A maioria das músicas, ele adianta, é bem nova. (“fiz uma ontem voltando para casa, mandei e você nem escutou, Fonsa!”, diz ele, alfinetando o amigo.

— A gente não tem uma marra de gênero. Nem nós, nem as pessoas com quem a gente se comunica — alega Pedro Fonseca. — Esse disco que vem aí tem rock’n’roll, tem pagodão baiano, tem samba, tem baião, tem um boi do Norte… e o show também é calcado nessa mistura.

Sucesso ‘de poder sair na rua’
Chico e Pedro se conheceram no Ceat, mas só começaram a fazer música juntos depois de um tempo, com outros colegas, como João Mantuano e o baixista Miguel Dias. Em 2014, eles participaram do primeiro disco do garoto, que ainda era conhecido como Chicão, com o grupo 2×0 Vargem Alta (“é disco para ex-namorada, quanto mais distante, mais você vai gostando”, brinca Chico). E aos poucos viraram uma turma de cantores, compositores e instrumentistas, com Júlia Vargas, Carlos Posada, Juliana Linhares, Caio Prado, Ana Frango Elétrico, Jonathan Ferr…

— Tem muita gente foda aqui no Rio! Não digo que o nosso som seja parecido, mas talvez as coisas em que a gente acredite, e que desembocam no nosso som, se pareçam — analisa Chico.

Quem vê hoje não acredita que um dia ele foi um garoto tímido e arredio.

— A galera até compara com a mãe, porque ele é tímido fora do palco, mas cresce quando entra lá. Ele sempre foi assim — diz Pedro. — Mas sinto que ele está ficando mais solto, ganhando mais intimidade com o palco. Às vezes, ele é introspectivo, às vezes não fala nada, mas de repente dá uns risadões.

— A gente toca e se diverte, eu não penso muito nisso. Eu tento é não cair no palco! E na maior parte das vezes não consigo… — brinca Chico, que hoje é figura assídua nas casas de show do Rio, inclusive nos shows de outros artistas. — A gente toca porque a gente ama, e porque quer continuar vivendo disso!

Em 2021, Chico gravou “Sei que não é engraçado”, canção em que fala do sorriso como “um escudo bonito/ pro meu medo de morrer”. A composição, ele conta, surgiu quando voltava para casa depois de uma noitada no Largo dos Guimarães.

— Parou uma mulher do Ceat, que me conhecia desde menino, olhou para mim e falou: “Nossa, como você tá bonito, tá saudável!” Eram três horas da manhã, e eu já não estava muito bem. Voltei para casa pensando naquilo — recorda-se. — Sempre que dizem que pareço bem tranquilo, muito saudável, me sobe a risada. Sei que não é engraçado. Eu sou meio brincalhão, mas assim, sou meio desesperado também. E a risada cabe nas duas situações.

Chico tem ideias muito claras acerca do tipo de sucesso que deseja para si:

— Você quer não poder sair na rua, quer ser fofoca? Não, eu quero que as pessoas vão ao meu show! Meu objetivo de sucesso é esse. Eu lembro muito bem de sair com a minha mãe na rua e não conseguir ficar com ela.

Ele, que tinha apenas 8 anos de idade quando Cássia Eller morreu em 2001, após três paradas cardíacas, guarda no coração a canção “1º de julho”, feita para a mãe por Renato Russo quando ela estava grávida dele. Mas nem tanto pela letra ou a melodia de Renato:

— Minha mãe morreu muito cedo para mim. E para ela também. Mas tem o registro dessa música no disco “Acústico” em que ela fala meu nome. Ou seja: eu consigo escutar ela falando meu nome até hoje, isso é legal!

Comparações com Cássia terminam quando Chico diz sentir-se pouco à vontade como cantor de canções alheias (que, por sinal, desempenha bem, arrancando aplausos de quem o ouviu cantar, por exemplo, um “Menino bonito”, em homenagem a Rita Lee).

— Eu acho esse trabalho assim do intérprete muito mais difícil do que o do compositor, é difícil você pegar uma coisa que não é sua e fazer aquilo ser seu. Agora, quando a música é sua, você erra a letra e foda-se! Você vai defender aquilo como ninguém. Se você errar, você vai estar acertando! — teoriza, maroto. — Cresci cercado por música. A galera bate muito nessa tecla do gene, do dom… nada! A influência (para tornar-se músico) veio de todos os cantos. Se você tem um amigo que toca, fodeu a tua vida! Meu sonho mesmo era jogar bola. Música era o plano B. Mas, futebol agora eu só vejo, torço e sofro.

Chico foi criado por uma rede de mulheres: primeiro, Cássia; depois a mulher dela, Eugenia (que se tornou sua mãe de fato, após célebre batalha judicial), a percussionista Lan Lanh…

— Ainda assim, sou um homem branco da Zona Sul, potencialmente um babaca, claro, em uma luta constante para tentar ser menos otário. Mas, se tento, é por causa delas — diz ele, que ano passado foi levado pelo produtor Marcus Preto para gravar com Maria Bethânia num disco em homenagem aos cem anos da Semana de 22 (depois, dividiram o palco no Manouche, no Rio). — Chamaram artistas e pessoas… Fui uma das pessoas convidadas a cantar com essa artista (risos). Maior orgulho! Foi maneiro, ela me tratou superbem. Mas eu não gosto de encher o saco, faço lá a minha reverência e vou para o meu canto!

Cantado e gravado por nomes como Mônica Salmaso, Fernanda Porto, Juliana Linhares e Simone Mazzer, ele sonha em fazer shows no Nordeste e no Sul e, pelos dias da entrevista, se preparava para se apresentar pela primeira vez em Goiânia e Brasília. Ano passado, Chico Chico teve a música “Ribanceira” incluída na trilha da novela “Pantanal”, da TV Globo. Ele comenta:

— Para mim, foi um processo até começar a aceitar essas coisas… Tem tanta gente boa por aí, que essa música estar na novela não é porque é a melhor música, é porque escolheram ela. Não é para isso que a gente toca. A gente toca é para tocar, para falar do “escudo bonito”, para falar das merdas que a gente vê e das coisas boas que a gente viu.

Fonte: O Globo