Cidades

Aos 375 anos, Mosteiro de São Bento no Norte Fluminense recebe novos monges após décadas quase vazio

Dom João Crisóstomo puxa dois celulares do bolso do hábito e coloca ao lado do tronco de um flamboyant de copa larga, para se sentar com mais conforto sob a sombra da árvore antiga. O beneditino, de 31 anos, vive com um pé no mundo moderno e outro numa realidade à margem do tempo. Ele é um dos oito monges que desde dezembro de 2022 ocupam o Mosteiro de São Bento em Mussurepe, distrito de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. Após décadas praticamente vazio, o monastério completa 375 anos este ano. E, para que ganhasse nova vida, foi preciso que outro mosteiro, a 1.200 quilômetros dali, morresse.

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Dom João é o mais novo dos oito e faz as vezes de assessor de comunicação e relações-públicas. Cuida também da gestão dos recursos do grupo e do perfil do mosteiro no Instagram. Essa última não é uma tarefa simples. Dentro das paredes de 70 centímetros de espessura do prédio, construídas com tijolos maciços e adobe, sua única conexão é com a fé e o passado. Lá dentro, o sinal de celular some.

Os beneditinos deixaram para trás o Mosteiro Nossa Senhora da Ternura, na cidade de Formosa, em Goiás, e se mudaram para o Estado do Rio. Trouxeram na bagagem os poucos pertences e a missão de reativar um monastério mais antigo que a própria cidade de Campos: a construção primitiva, de 1648, foi levantada quase 30 anos antes da fundação da vila de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, em 1677.

A colonização da região foi dividida, no século XVII, entre beneditinos e jesuítas. A menos de 20 quilômetros do mosteiro, fica o Solar do Colégio, construído entre 1650 e 1690 pelos irmãos da Companhia de Jesus; atualmente, o prédio abriga o arquivo público do município.

Dom João Crisóstomo — esse não é seu nome de batismo, todos os beneditinos recebem uma nova identidade ao entrar na ordem — explica que o monastério de Mussurepe era uma granja monástica que abastecia o Mosteiro de São Bento da cidade do Rio:

— Isso significa que era um mosteiro fazenda, que gerava renda e recursos para um outro monastério.


Isolamento
O monge diz que a ideia de sair de Goiás vinha sendo amadurecida desde 2017. O grupo é capitaneado pelo prior do mosteiro, Dom Inácio.

— Aqui é um mosteiro histórico, que tem uma relevância nacional, e estava sozinho. Não tinha uma comunidade monástica para poder assumir. Havia apenas um monge, que não ficava aqui. O mosteiro foi se deteriorando. São aproximadamente 80 mil metros quadrados de terreno — diz Dom João.

Isolado na época da fundação, o São Bento ainda hoje está apartado da cidade de Campos. São 30 quilômetros pela RJ-216, atravessando distritos da chamada Baixada Campista, até chegar à estradinha asfaltada que leva ao mosteiro. No entorno, fábricas de tijolos e telhas — que substituíram na paisagem as usinas de açúcar e álcool —, pastagens pontilhadas de vacas e cavalos e lugarejos com nomes exóticos como Sabonete e Marrecas. O silêncio rural é interrompido pelo barulho dos poucos carros e, principalmente, pelo ronco dos caminhões que vão e vêm do Porto do Açu, a 20 quilômetros dali.

Olhando de fora, cuidar do Mosteiro de São Bento não parece um grande desafio. As paredes brancas e as portas verdes estão em bom estado. O telhado foi reformado antes da chegada dos novos monges. O real tamanho do problema só pode ser visto por dentro.

O mosteiro passou por um incêndio em junho de 1965. Parte da estrutura, imagens sacras, móveis e o arquivo paroquial foram destruídos. O que o fogo não consumiu o tempo e a falta de manutenção trataram de estragar.

Em vários pontos, o reboco se despediu das paredes, expondo os tijolos. Uma parede inteira veio abaixo e teve de ser remontada usando o material original do edifício. A construção tem dois andares: no de cima, onde fica a clausura — espaço reservado aos monges —, o chão de tábuas de madeira está sinalizado em vários pontos, indicando que pisar ali representa risco de cair no pavimento térreo.

Bem tombado
Ao pouco dinheiro — os monges não têm fonte de renda, vivem de doações — junta-se a limitação de reformar um bem histórico. O prédio foi tombado pelo município de Campos em 2012 e pelo estado em 2021. Paulo Coutinho, arquiteto do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), trabalhou no processo de tombamento do Mosteiro de São Bento. Ele explica que os monges já foram notificados que devem regularizar no órgão as intervenções na estrutura.

— Como um exemplo da Escola Beneditina, o conjunto arquitetônico de Mussurepe segue um padrão formado pelo mosteiro, igreja, uma oficina e o cemitério, erguidos principalmente entre os séculos XVII e XIX — diz Coutinho, que ainda se recorda da primeira impressão ao chegar ao mosteiro, em 2020. — Minha reação foi me questionar: com uma história tão importante, como essa preciosidade ainda não tinha sido reconhecida como patrimônio cultural pelo Estado do Rio de Janeiro? É uma construção mais simples e menos divulgada. Turisticamente, não tem a força de trazer pessoas como o mosteiro do Rio.

O cemitério de São Bento, colado ao mosteiro, é gerido hoje por uma empresa privada. Ao lado dele, fica a parte mais bem conservada do edifício: a igreja. Os monges chegaram ao mosteiro em 12 de dezembro. No dia 13, às 6h30, celebraram a primeira missa. Simples, com poucas imagens sacras e piso de lajotas de barro, a capela recebe cerca de 30 fiéis durante a semana. Aos domingos, o número dobra.

Diariamente, a rotina se repete. Os monges acordam às 4h. Meia hora depois, começa a liturgia das horas: em horários determinados, os beneditinos se reúnem para orar e ler passagens da Bíblia, parte delas recitadas em canto gregoriano. Primeiro, vêm as Laudes, a oração do nascer do sol. Seguem-se as horas Terça, Sexta e Nona (ou Noa). O pôr do sol marca as Vésperas. A última oração, chamada Completas, é às 19h30.

No restante do dia, os monges estudam as Escrituras e se dividem nas tarefas cotidianas: limpar o mosteiro, preparar as refeições e fazer pequenos reparos na estrutura. Vão mantendo o edifício como podem e rezando por ajuda financeira para consertá-lo. Nada que assuste integrantes de uma ordem com quase 1.500 anos de história e que tem como lema a divisa latina ora et labora: reza e trabalha.

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