A Instrumentalização Política do Corpo Feminino e o Retrocesso dos Direitos Reprodutivos no Brasil
A recente aprovação do Projeto de Lei 1904/24 pela Câmara dos Deputados marca um dos mais alarmantes retrocessos nos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil. O projeto prevê que o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, será considerado homicídio, incluindo casos de gravidez resultante de estupro. Esta medida, que prevê penas de seis a 20 anos de prisão para as mulheres que realizarem o procedimento, contrasta drasticamente com a pena média dos próprios estupradores, evidenciando uma cruel inversão de prioridades.
Um dos aspectos mais perturbadores deste projeto é a total desconsideração pelas circunstâncias que levam uma mulher a buscar um aborto. Em casos de estupro, a mulher já é uma vítima de um crime horrendo, e a imposição de uma pena tão severa para uma decisão de abortar agrava ainda mais sua situação. Ao transformar a mulher em criminosa, o projeto ignora o trauma e a complexidade das decisões que envolvem a continuidade de uma gravidez indesejada, particularmente uma resultante de violência sexual.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e diversos organismos internacionais de direitos humanos têm reafirmado que o acesso ao aborto seguro é uma questão de saúde pública e direitos humanos. A criminalização extrema proposta pelo PL 1904/24 não apenas contraria essas diretrizes, mas também expõe as mulheres a riscos significativos para sua saúde física e mental. Estudos mostram que a restrição ao aborto não reduz o número de abortos, mas sim aumenta a quantidade de procedimentos realizados de maneira insegura, resultando em complicações graves e mortes evitáveis.
É inegável que a aprovação deste projeto de lei ocorre em um contexto de acirrada disputa política entre direita e esquerda, especialmente em um ano eleitoral. A direita, em sua busca por angariar apoio entre setores mais conservadores da sociedade, utiliza o tema do aborto como uma bandeira moralista para mobilizar seu eleitorado. Este tipo de estratégia política é extremamente perigosa, pois transforma uma questão de direitos humanos e saúde pública em uma mera moeda de troca eleitoral.
A Câmara dos Deputados, ao aprovar tal medida, mostra-se cúmplice de uma agenda que ignora os direitos fundamentais das mulheres. Em vez de legislar para promover a equidade e a justiça social, os parlamentares envolvidos nesta aprovação priorizam interesses políticos de curto prazo, sacrificando o bem-estar e os direitos das mulheres brasileiras no processo. A falta de um debate aprofundado e de uma consideração genuína das implicações desta legislação revela um desprezo alarmante pelos princípios democráticos e pelos direitos humanos.
A aprovação do Projeto de Lei 1904/24 representa um grave retrocesso nos direitos reprodutivos no Brasil. Ao criminalizar severamente o aborto após 22 semanas de gestação, sem exceções até para casos de estupro, a legislação pune desproporcionalmente as mulheres e ignora completamente a complexidade das circunstâncias que podem levar a tal decisão. Em um cenário onde o corpo feminino é usado como ferramenta de disputa política, é crucial que a sociedade civil e as organizações de direitos humanos se mobilizem para reverter esta medida draconiana e garantir que os direitos das mulheres sejam respeitados e protegidos.