78% dos jovens da Copinha deixam esporte ou têm valor de mercado abaixo da Série D
A cada Casemiro que surge em uma Copinha – cuja última edição se encerrou nesta semana, com vitória do Corinthians -, 1.500 jogadores que vivem seus poucos minutos de glória na TV deixam o futebol ou ganham salários da última divisão nacional.
Carlos Henrique Casemiro, atual Manchester United e capitão da seleção brasileira, estreou na Copa São Paulo de Futebol Júnior, a Copinha, maior vitrine dos jovens futebolistas, em 2010. Venceu aquela edição jogando pelo São Paulo, aos 17. O episódio ajudou a catapultar sua destacada carreira internacional.
No mesmo ano, outro Casimiro, o Leonardo, não passou da fase de grupos. Pelo Operário (MS), ganhou do CSA e empatou com o Avaí, mas deu azar de pegar o São Paulo na chave, para o qual perdeu. A Copinha desse Casimiro não foi o trampolim para a fama, mas seu “tiro final”, como diz. Aos 19, ele voltou para a casa, em Rondônia, e deixou no passado a adolescência dedicada ao esporte.
No YouTube, ao som de “I Gotta Feeling”, há uma seleção de seus melhores momentos da Copinha 2010 e de outros torneios –prática comum entre vários juniores que precisavam fazer DVDs para apresentar seus trabalhos a empresários.
Na verdade, Leonardo Casimiro nem era do Operário sul-mato-grossense, mas de um time do interior paulista, assim como outros colegas, segundo ele. “O clube não conseguiu a vaga para disputar aquela Copinha, então empresários, digamos, foram para Mato Grosso do Sul e adquiriram a vaga do Operário”, afirma, acrescentando que era um prática comum, que atendia a interesses de bicheiros a investidores.
Procurado, o Operário enviou uma nota afirmando que a atual gestão “tem implementado uma gestão exemplar e dedicada à reestruturação, em contraste com as práticas anteriores, que quase levaram [o time] à falência”. Segundo o clube, a realidade da gestão anterior “era preocupante, com completa ausência de documentação”. “Devido a essa lacuna, não temos a capacidade de negar ou confirmar informações pertinentes de antes de setembro de 2014.”
Jogando desde a infância em escolinhas de futebol, Leonardo Casimiro decidiu na derrota da Copinha que era hora de parar. “Claro que existe uma ‘bad’ gigantesca, você fica cinco anos tentando fazer um negócio e volta para casa com o rabo entre as pernas. É ruim, é horrível, mas minha mãe sempre me mostrou o lado positivo. ‘Pensa que valeu a experiência, você saiu de casa, trabalhou sozinho, amadureceu, viveu perrengues que pessoas da tua idade não vivem’.”
Formou-se em agronomia (a reportagem o localizou na internet por meio de um estudo de sua autoria sobre agroindústria de filé de tilápia) e hoje é executivo de uma multinacional americana de agronegócio no interior de Mato Grosso do Sul.
A Federação Paulista de Futebol não respondeu à reportagem até a publicação do texto.
País do futebol
Há quase seis décadas, meninos de várias cidades do país viajam em janeiro para São Paulo para tentar o sonho de uma vaga de destaque no “país do futebol” (uma marca arranhada desde o 7×1, mas ainda uma marca). A maioria, vinda de classes sociais mais baixas, deposita nesse torneio a expectativa de se profissionalizar.
Disputada desde 1969, com um número crescente de participantes –a primeira edição teve quatro clubes, enquanto a atual conta com 128 e cerca de 3.000 atletas de 16 a 21 anos–, a disputa permite que os jovens aspirantes apareçam no cenário nacional, frente a dezenas de olheiros, investidores estrangeiros e transmissões de TV. É inevitável que essa visibilidade fique mais condicionada à tradição de cada time.
Os times da Copinha acabam representando bem mais uma espécie de estoque de mão de obra para séries inferiores do que uma vitrine na qual todos têm as mesmas chances.
Entre os jogadores que disputam a Copinha por times da Série A, caso do Casemiro do São Paulo, apenas 7% seguem tendo valor de mercado no nível das equipes da primeira divisão brasileira ou acima (grandes ligas europeias, por exemplo). Já entre os atletas que jogaram o torneio de base por equipes sem divisão, caso do Casimiro de Rondônia, só 0,5% alcança esse nível. Os times do Sudeste, com mais investimentos, geram mais estrelas.
A Copinha é o ‘Tindão’ [referência ao Tinder] do futebol de base. Está todo o mundo ali querendo pegar jogador e levar para os times de fora
Leonardo Casimiro, 32ex-jogador
A Folha analisou o percurso de 1.925 jogadores da Copinha de 2010 até hoje para entender como a competição impulsionou (ou não) suas carreiras. Ouviu as histórias das promessas que não vingaram, que representam a maioria. Os 14 anos que separam aquele torneio dos Casemiros até hoje ilustram o período de ascensão e declínio de uma trajetória profissional, como num “Boyhood” da bola.
Com no máximo 19 anos, a leva de 2010 é da geração de Neymar (embora este tenha jogado mais cedo, em 2008 e 2009, graças a suas habilidades precoces). Hoje, eles têm de 30 a 33 anos e começam a entrar na reta final.
Daquela turma de 2010, 2,6% chegaram ao máximo do estrelato ou, ao menos, a uma carreira muito bem-sucedida.
Considerando o valor de mercado, que é por quanto eles podem ser negociados –uma métrica mais acessível para aferir a realidade do mercado do que o salário–, cinco jogadores (0,25%) tornaram-se astros: Casemiro (ex-Real Madrid e hoje Manchester United, vendido por 60 milhões de euros, segundo a imprensa inglesa), Lucas Moura (ex-PSG e Tottenham, hoje no São Paulo), Roberto Firmino (ex-Liverpool e atualmente na Arábia Saudita), Felipe Anderson (um dos 20 maiores goleadores da história da Lazio) e Alisson (titular do Liverpool há seis temporadas).
Todos eles têm valor de mercado compatível com os elencos dos dois maiores times das cinco mais importantes ligas europeias.
Outros seis atletas (0,3%) alçaram o valor dos times das principais ligas da Europa –mas não os maiores clubes: Bernard, Alex Telles, Dudu, Fernando, Jemerson e João Pedro.
Ainda na elite, 17 jogadores (0,86%) valem ou valeram o equivalente ou mais do que a média dos cinco times mais valiosos da série A do Campeonato Brasileiro (como Dodô, Ramiro, Alan Patrick e Rodrigo Caio) e 23 (1,16%) valem a média geral dessa divisão (Bressan, Nikão, Regis, Elber, Gabriel, entre outros).
A Copinha gerou, ainda, profissionais com reconhecimento e valor no cenário nacional, mas em um patamar abaixo da elite: 5,36% (106 jogadores) conseguiram valer ao menos a média de um jogador da Série B. Outros 14,5% têm valor médio ou superior à Série D, ainda vivem de futebol, mas em times menos conhecidos.
Fonte: Folha de São Paulo